Svetlana Zakharova fala sobre “A dama das camélias”

Um dos ballets desta temporada do Bolshoi é A dama das camélias e em março ele será transmitido nos cinemas do Brasil. Quem quiser assistir ao trailer, aqui.

Além disso, eu reconheço que muitas bailarinas e bailarinos amam a Svetlana Zakharova, talvez ela seja uma das mais amadas do nosso tempo. Por isso, ao assisti-la falando sobre o papel de Marguerite e analisando algumas cenas, logo pensei em trazer para cá.

O vídeo está em russo, com legendas em inglês e tem três minutos. Eu traduzi porque ela fala algumas coisas muito importantes a respeito desse ballet e da sua relação com a obra. Eu separei por minutos para facilitar caso alguém procure um trecho específico.

Sim, eu confesso, um lado meu gosta bastante dela, especialmente nos grandes papéis.

Svetlana Zakharova fala sobre A dama das camélias, Bolshoi Ballet.

Começo do vídeo: Este ballet deve ser um dos mais excepcionais que eu já dancei, o papel de Marguerite é muito especial e sim todos conhecem a história dessa mulher e muitos a condenam. Mas no final acontece que as pessoas sentem pena dela, e eu mesma sinto muito por ela. E claro essa cena quando Monsieur Duval chega e pede a ela para deixar seu filho, sabe, eu choro durante essa cena, a realidade de ter de deixar a pessoa que você ama é provavelmente a pior coisa que uma mulher poderia sentir.

Um minuto: e ela toma essa decisão para não prejudicar Armand, para que o amor de sua vida possa seguir e possa existir sem alguém apontar o dedo para ele. Então em um sentido ela é a vítima aqui. A primeira vez em que Marguerite vê Manon se apresentar no teatro, ela faz essas associações com ela (Manon), mas eu acho que ela constantemente tenta afastá-las, ela não acredita que seja igual à Manon, ela é completamente diferente, talvez por isso ela se permita se apaixonar, algo que ela não permitiria a si mesma antes. Manon é o laço que corre paralelamente a ela e constantemente a relembra quem ela realmente é, ela sempre está de alguma maneira puxando Marguerite de volta.

Dois minutos: Apesar de estar livre, vivendo feliz, apaixonada, Manon é a sua consciência e a puxa de volta para o seu lugar, e quando eu danço a cena com Manon, no segundo ato, eu a odeio nesse momento, sim, é muito carregado em sentimentos, sentimentos assustadores, que exigem as perguntas “O que você está fazendo aqui?”, “Eu não sou igual a você, Manon, eu sou completamente diferente”, “Por que você está aqui? Por que eu devo estar ligada a você?”, eu continuo a afastando de mim. John (Neumeier, coreógrafo de A dama das camélias) encontrou tantos momentos emotivos femininos delicados, que possivelmente não poderia deixá-lo indiferente, não apenas a plateia, mas os artistas também, da maneira que acontece no palco, e claro a música genial, é um dos ballets mais geniais que eu já dancei.

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ATUALIZAÇÃO: A Julimel me informou nos comentários que transmitirão nos cinemas a montagem de 2015. No blog dela, aqui.

Black

Eu sei que estou devendo textos longos e detalhados, mas acreditem, há vários temas selecionados para serem discutidos. Inclusive, há informações separadas para esse fim. Mas e a vontade de parar e escrever?

Logo os textos voltarão, eu prometo. Enquanto isso, mais um vídeo para mudar um pouco os ares: Svetlana Zakharova e Andrei Merkuriev em uma coreografia de dança contemporânea. E não é que assim ela me conquistou?

Trecho de “Black”, de Francesco Ventriglia, Bolshoi Ballet.
Svetlana Zakharova e Andrei Merkuriev.

A tal da perna alta

Há alguns dias, compartilhei essa foto da Svetlana Zakharova na página do blog no Facebook e perguntei o que as pessoas achavam sobre a perna alta no ballet clássico. Por mais voltas que várias delas deram em suas respostas, no fim das contas, a maioria gosta sim de uma perna alta.

Quem acompanha as minhas publicações deve ter percebido como eu sou uma crítica à perna alta. Não só, sempre deixei claro que prefiro o ballet do tempo em que magreza e hiperextensão não eram obrigatórios na dança.

Não sou ingênua e sei como as coisas funcionam: hoje, uma bailarina não consegue ser profissional se não for absurdamente alongada. Também sei que nas montagens de praticamente todas as companhias vemos as pernas lá em cima. Além disso, alunos de ballet de todos os lugares querem ter isso. Ou seja, eu estou fora do meio em todos os sentidos.

Para não parecer a “do contra”, decidi fazer o post para embasar a minha opinião sobre o assunto. Existe um motivo para eu defender o que defendo. Mas como eu disse, é a minha opinião. O mundo do ballet continuará desejando a perna na orelha do mesmo jeito.

Encontrei por acaso um vídeo em que Roland Petit explica alguns passos de ballet clássico com demonstrações da Agnès Letestu bem novinha. Em um determinado momento, ele explica as diferenças entre o dégagé clássico, aquele dos repertórios de Petipa, e do dégagé contemporâneo, aquele realizado hoje em dia. Para assistir a esse momento da explicação, aqui.

Viram a diferença? Na época em que a maioria dos repertórios foram criados, quase no fim do século XIX, as pernas não eram altas. Essa mudança aconteceu de algumas décadas para cá. Por exemplo, se vocês assistirem a obras de George Balanchine, que foram criadas depois desse período, verão pernas bem altas em várias coreografias.

Chegamos ao ponto da questão: para mim, os movimentos devem ser mantidos de acordo com o período de sua criação. Eu nunca critiquei perna alta em uma obra de Balanchine. Eu tenho espasmos quando vejo perna alta em uma obra de Petipa.

A meu ver, um movimento é como uma palavra, ele tem um sentido na coreografia, ele faz parte de um contexto. Se eu vejo um movimento e percebo que ele está ali apenas para mostrar a habilidade do bailarino, eu perco o interesse, porque a dança não existe para isso. Não para mim.

Para demonstrar o meu ponto de vista, selecionei dois vídeos bem distintos.

No primeiro, vemos vários trechos de “A Bela Adormecida”, ballet criado por Marius Petipa no final do século XIX. Essa montagem é do Het Nationale Ballet/Dutch National Ballet, e essas imagens correspondem a uma apresentação de 2010. Prestem atenção como quase todos os arabesques e attitudes derrière estão a 90 graus. Notem como a perna alta quase não aparece. Claro, houve uma releitura da obra de Marius Petipa, mas o novo coreógrafo, Sir Peter Wright, respeitou a obra original.

Trechos de “A Bela Adormecida”, Het Nationale Ballet/Dutch National Ballet, Jurgita Dronina, 2010.

No segundo, vemos um trecho de “In the Middle Somewhat Elevated”, de William Forsythe. Essa obra foi criada em 1987 para Sylvie Guillem, o que já nos diz muita coisa. Prestem atenção nos movimentos dos bailarinos Marta Romagna, Roberto Bolle e Zenaida Yanowsky e me respondam: É possível uma bailarina dançar essa obra sem ter perna alta?

Trecho de “In the Middle, Somewhat Elevated”, Marta Romagna (La Scala) Roberto Bolle (La Scala) e Zenaida Yanowsky (Royal Ballet).

Um outro ótimo exemplo é a segunda parte de “Jewels”, de George Balanchine. Eu sou apaixonada por esse ballet e sempre me encanto com os “Rubis”. Acho belíssimo. E eu duvido que exista alguma outra obra com tanta perna alta de uma única vez! Quem quiser assistir aos “Rubis”, aqui.

Ou seja, eu sou contra a perna alta? De maneira alguma! Eu sou contra perna alta fora de propósito. Quando há um sentido para a sua existência, eu acho lindo.

Só há um movimento do qual eu não abro mão: arabesque a 90 graus. Para mim, ele é o sinônimo da perfeição no ballet clássico. Infelizmente, encontrá-lo está cada dia mais raro. Daqui um tempo, ele deixará de existir. Ou não, porque no que depender de mim, ele terá vida longa.