Neste texto, eu farei um longo percurso de uma experiência pessoal até a livre criação artística na dança. Quer caminhar comigo até lá? Respire fundo, pegue na minha mão e venha.
Uma tarde de novembro de 2020. Passeando pelo Twitter, um tuíte chamou a minha atenção: era uma palestra da jornalista e escritora Suleika Jaouad. Autora do livro “Between Two Kingdoms“, ela foi diagnosticada com leucemia aos 22 anos de idade e contava como a parte mais difícil de seu câncer foi o depois, quando já estava curada. Como recomeçar depois de ter a vida interrompida? Cliquei no link e resolvi assistir.
Encontro um: Suleika, eu e o futuro
Não era um dia qualquer, não para mim. Como eu contei semana passada, tive problemas de saúde em 2012, mas só recebi os diagnósticos corretos entre 2020 e 2021. O mais importante aconteceu no dia seguinte à palestra, eu recebi o resultado de dezessete exames diferentes, que atestavam os erros médicos do passado. Eu estava bem, era algo simples, a minha vida poderia seguir normalmente. Façam os cálculos, foram oito anos de engano. Vocês conseguem imaginar o que eu senti?
Naquele momento, as palavras da Suleika Jaouad passaram a fazer sentido para mim: como recomeçar depois de uma grande pausa na vida? Não tive um problema de saúde tão sério e debilitante quanto o dela, mas foram anos de privações, dores, sintomas aleatórios, angústia e isolamento. De um dia para o outro, acabou. Eu estava livre. E agora?
Ninguém a minha volta entendeu, claro. Eu não tinha motivo algum para me sentir mal, não era uma coisa boa? Mas uma pessoa me entenderia, a Suleika Jaouad. Ela sequer imagina que os seus dezessete minutos de palestra, que chegaram até mim como um aviso do futuro, foram o meu alento.
Um ano depois, novamente no Twitter, soube que a leucemia dela voltou. Eu senti demais a notícia, como se fosse com uma pessoa próxima. Ela fez o transplante de medula e está em processo de recuperação. Do fundo do meu coração, fiz a única coisa que eu poderia fazer: desejar a ela uma nova cura.
Apenas ao final da leitura eu notei onde eu estava: era a newsletter “The Isolation Journals” (Diários de Isolamento). E chegamos ao ponto que quero compartilhar com vocês: a criação artística no nosso dia a dia.
Ao receber o seu primeiro diagnóstico de leucemia, a Suleika criou o “Projeto 100 dias”, que consistia em uma criação artística por dia, tanto dela quanto de seus familiares e das pessoas próximas. Quando a pandemia começou, ela usou a mesma ideia para criar a newsletter “The Isolation Journals”, em que propostas de escrita eram enviadas às pessoas inscritas. Assim, elas criavam seus próprios textos com base nessas indicações. Para vocês terem uma ideia, são mais de 100 mil pessoas inscritas ao redor do mundo.
A newsletter gratuita é enviada todo domingo com dois textos: um da Suleika Jaouad e outro de uma pessoa convidada, geralmente uma artista, que também é responsável pela proposta criativa. Caso você queira seguir a proposta, terá uma criação sua ao final da tarefa.
No meu texto de quinta-feira passada, eu terminei dizendo que nesta semana eu falaria sobre a “criação livre”, sem compromisso, mas a ideia era falar sobre qualquer arte. No domingo, recebi a nova newsletter. Agora, me digam: quais as chances dessa edição ter como artista convidada uma bailarina e coreógrafa do Brasil com uma proposta criativa de dança?
Encontro dois: Sofia, eu e a dança
Sofia Tsirakis é bailarina, coreógrafa e em 2014 criou o Danças Polifônicas, uma plataforma artística cujo foco é a dança em um diálogo com outras artes, como música e teatro. Ela e Suleika Jaouad fizeram faculdade juntas nos Estados Unidos e são amigas.
Em seu texto intitulado “One Hundred Small Dances” (Cem Pequenas Danças), publicado na newsletter “The Isolation Journals” número 190, ela conta brevemente a respeito de sua participação no primeiro “Projeto 100 dias”, seu desejo em se dedicar à dança logo após a faculdade, suas dúvidas entre ficar em Nova York ou voltar para o Brasil e, por fim, sua prática de dança.
Em um trecho, ela diz: “Eu fechava meus olhos e me concentrava primeiro na respiração, tentando ouvir, deixar meu corpo me guiar. Às vezes, eu ouvia música, mas muitas vezes eu fazia isso em silêncio”.
Além disso, Sofia nos presenteia com a sua proposta criativa, como podemos encontrar essa dança, como deixá-la surgir, fluir e fazer-se presente.
Aqui é um ponto-chave: o processo proposto por Sofia para essa “pequena dança” surgir. Confesso, a minha vontade foi dançar naquele momento, como se o movimento adormecido em mim tivesse acabado de acordar.
“Onde está isso, Cássia, eu também quero fazer!”
A newsletter é escrita em inglês e eu sei que vocês querem ler aqui a proposta traduzida para o português, mas não farei isso. Por quê? Por alguns motivos. Primeiro, vocês não vão até o link original. Segundo, vocês não vão ler o texto completo da Sofia Tsirakis. Terceiro, acho importante vocês lerem tudo, os dois textos e a proposta. Quarto, quem quer mesmo terá de se mexer, ou seja, ler em inglês ou usar o Google Tradutor. Vamos? Clique aqui.
Quem ama dançar não precisa obrigatoriamente abraçar a dança como um projeto de vida e se mostrar ao mundo. Podemos dançar sem sermos bailarinas, criar apenas para si mesma, para se encontrar, se reconhecer, sentir a dança no corpo e na alma. Um dia essa “pequena dança” pode abrir a porta e sair por aí? Claro que pode, a gente nunca sabe quando a vida vai nos surpreender. Mas, por ora, dance simplesmente porque você quer dançar. Para muitas de nós, é o suficiente.
Para saber mais:
O perfil pessoal da Suleika Jaouad, aqui.
O perfil pessoal da Sofia Tsirakis, aqui.
O perfil do “The Isolation Journals”, aqui.
Para se inscrever na newsletter “The Isolation Journals”, em inglês, aqui.
A newsletter 190, “Roiling, Coiling, Shapeshifting & dancer Sofia Tsirakis on a road trip with no fixed destination”, com a prática criativa de dança, em inglês, aqui.
A Suleika Jaouad dançando no hospital, aqui.