Os primeiros passos de um novo ano

Quem não conhece Dom Quixote? No mundo da dança, é mais fácil associarem esse nome a Marius Petipa e Ludwig Minkus do que a Miguel de Cervantes. Os primeiros acordes do desafio ou da variação de Kitri são suficientes para o figurino e a coreografia surgirem na nossa mente.

Porém, Marius Petipa não foi o primeiro a adaptar o romance para a dança. A primeira montagem foi realizada em 1740 pelo coreógrafo austríaco Franz Hilverding. Desde então, acho difícil termos um número exato das diversas montagens e remontagens inspiradas nessa obra realizadas ao longo de tanto tempo. Uma coisa é certa: Dom Quixote faz parte do nosso imaginário.

Sendo assim, o que faz parte do nosso imaginário é difícil enxergá-lo de outra maneira. Pegue a Kitri que você conhece, o nome dela é Aldonza. Esse é o nome daquela que inspirou a personagem Dulcineia na obra literária. Também é o nome da personagem na montagem de Dom Quixote (2016), de Aaron S. Watkin, para o Semperoper Dresden Ballett. Além disso, ele acrescentou músicas de Manuel de Falla às conhecidas de Ludwig Minkus. Eu publiquei um trecho dessa montagem anos antes: a coda do sonho, muito diferente da nossa velha conhecida. Nasceu uma obra nova, mas ainda assim encantadora.

Eu gosto especialmente desta variação e a achei perfeita para a primeira publicação de 2021. Tantas coisas mudaram, mas ainda assim vamos seguir sendo quem somos. Ou melhores do que éramos no passado.

“Segunda Variação de Aldonza”, ato 1, Dom Quixote, Semperoper Dresdren, Svetlana Gileva.

Variação da Colombina

Harlequinade (1900) é um ballet de Marius Petipa com música de Riccardo Drigo. Quem não conhece o pas de deux e as variações masculina e feminina? Famosos em festivais e competições pelo mundo afora, essas coreografias tão conhecidas não fazem parte da obra original, sabiam? Elas foram criadas por Pyotr Gusev na década de 1930 e com outras músicas de Riccardo Drigo. Para saber mais, clique aqui.

Em 2018, Alexei Ratmansky fez a reconstrução* de Harlequinade (1900) para o American Ballet Theatre. Esta é a “Variação da Colombina”, dançada pela bailarina Skylar Brandt. Não é uma graça?

“Variação da Colombina”, Harlequinade, reconstrução de Alexei Ratmansky, Skylar Brandt, American Ballet Theatre, 2020.

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* Reconstruções são montagens muito próximas das ideias de seus criadores. Para isso, pesquisam-se notações coreográficas, documentos históricos, vídeos, depoimentos de participantes das montagens originais e demais materiais que ajudem a recompor o repertório.

O meu reencontro com O lago dos cisnes

O lago dos cisnes foi o primeiro ballet de repertório que assisti. Ainda nem pensava em fazer ballet, mas estava mudando de canal e resolvi parar no programa que acabara de começar. Era uma versão do Bolshoi, com a Svetlana Zakharova como protagonista.

Não sei o que aconteceu, mas peguei birra do ballet e da bailarina em questão. Talvez, ali tenha surgido em mim uma imensa frustração, ver tamanha beleza e não poder dançar. Quem diria…

Até que as coisas mudaram. Primeiro, uma foto da Odile, interpretada pela Ulyana Lopatkina. Ela realmente parecia um cisne. No mesmo dia, encontrei um CD do Tchaikovsky, que ganhei há 14 anos, com partes do ballet. Era o momento de dar uma nova chance.

Ontem, assisti ao ballet inteiro novamente. Versão do Teatro Mariinsky (o Ballet Kirov). Adivinha com quem no duplo papel principal? A própria Ulyana. Estou emocionada até agora.

Cena do 2º ato, O lago dos cisnes, Mariinsky Theatre (Kirov Ballet)

A história é linda. Uma mulher-cisne que, para ser libertada de tal encanto, precisa ser amada de verdade. A música alterna entre o vigor e a doçura. Dividido em quatro atos – 1 e 3, coreografado por Marius Petipa, acontece no palácio do príncipe; 2 e 4, coreografado por Lev Ivanov, no lago dos cisnes –, o ballet consegue alternar os focos de ação da história, sem deixá-la enfadonha. Só quem já assistiu a La Bayadère e Giselle sabe como cansa aquela profusão de tutu branco por tanto tempo.

Além disso, nunca vi tantos pas de quatre juntos. E a inventividade e beleza das coreografias? A impressão para quem assiste é que todo mundo do elenco tem o seu momento. Quando a gente menos percebe, corpo de baile se transformou em pas de deux, que virou pas de trois, de repente é pas de six, depois aparece uma variação, mais outra, então o corpo de baile volta. Cisnes grandes, para alegria das bailarinas altas, cisnes pequenos, para alegria das baixinhas. Dança russa, dança espanhola, dança dos leques. Tutus brancos e vestidos lânguidos coloridos. O tutu preto mais lindo que existe. Um bobo da corte que rouba a cena do príncipe. Cisnes negros e cisnes brancos dançando juntos no 4º ato. É lindo demais.

Lamento dizer, mas La Bayadère e Dom Quixote perderam o posto de repertórios preferidos. Agora, o meu grande amor é O lago dos cisnes. Quando terminei de assistir, entendi porque decidi ser bailarina aos 28 anos de idade.

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O repertório completo, em MP3, no Música de Ballet. Para baixar, aqui.
Para comprar o DVD, clique aqui.