Fim de ano é um período meio complicado, temos mil coisas pendentes para resolver e um relógio que insiste em correr. Assim, eu não tenho feito os posts que eu gostaria, mas Marianela Nuñez e Vadim Muntagirov surgiram para salvar a semana.
Ano que vem, prometo!, farei um texto explicando por que, na minha opinião, Marianela Nuñez é a melhor bailarina em atividade. É impressionante como ela fez bem qualquer papel dos grandes repertórios. Aurora, Odette, Lise, para ficar entre as mocinhas. Odile, Myrtha e Gamzatti, para ficar entre as vilãs. “Ah, mas será que ela consegue fazer a adolescente mais fofa e bravinha do ballet clássico?” Consegue. Olhem só ela como Swanilda.
Se não bastasse isso, depois de dois grandes partners ‒ Thiago Soares e Carlos Acosta ‒ será que ela encontraria outro tão bom? O Vadim Muntagirov trocou o English National Ballet pelo Royal Ballet. Lá, ele e Daria Klimentovaformaram uma dupla incrível (mal comparando, me lembrava Margot Fonteyn e Rudolf Nureyev). Pois desse novo encontro surgiu uma parceria encantadora. Como é bom ver os dois juntos, eu esqueço a técnica clássica e aproveito uma das maravilhas do ballet clássico: ficar emocionada ao vê-los dançando.
Esse pas de deux mostra bem isso. Marianela e Vadim, Swanilda e Franz. Vida longa para essa parceria, a dança e o meu coração agradecem.
Pas de deux do terceiro ato, Coppélia, Royal Ballet, Marianela Nuñez e Vadim Muntagirov, 2019.
Dia desses, estava dobrando minhas roupas recém-recolhidas do varal e minha mãe entrou no meu quarto. “O que são essas coisas cor-de-rosa?” “São as minhas meias-calças do ballet, encontrei guardadas no armário e resolvi lavar”.
Olhei para aqueles montinhos bem dobrados, um ao lado do outro, e eu me senti olhando para um passado distante. Não faço aulas regulares de ballet há sete anos. Não piso em um palco há nove anos. Há meses e meses não faço uma sequência de barra sequer. Em uma prateleira da minha estante, as minhas sapatilhas de ponta e meia-ponta estão devidamente organizadas com meus sapatos de flamenco. Ou seja, de qualquer forma, a minha barra fixa e meus calçados de dança dizem para quem quiser saber: neste quarto, existe alguém que dançou.
Dançou, pretérito perfeito. A dança infinitamente distante da minha vida.
Paloma Herrera como diretora de ballet do Teatro Colón e Marianela Nuñez como convidada para dançar Aurora, de A Bela Adormecida, ambas falando a respeito da montagem. Não há nada demais aí. Sempre admirei as duas como grandes artistas, mas vê-las falando em espanhol, em um teatro da Argentina, terra natal delas, praticamente aqui ao lado foi um despertar para mim. O ballet clássico continua aqui ao lado. Ele não está apartado da minha vida.
O blog sempre foi uma extensão do meu amor, do meu apreço e da minha dedicação à dança. Nos momentos mais presentes, havia mais posts, mais vídeos, mais links, mais informação. Nos momentos mais distantes, apenas uma coisa ou outra. Três meses sem postagens quer dizer apenas isso, eu nem lembrei que o ballet clássico existia.
Aí, veio o aniversário. Hoje o Dos passos da bailarina está fazendo dez anos. Aquele peixinho fora d’água, que não queria mais ser solitário, resolveu criar um blog. Lembro da lista de nomes. O primeiro post. Os textos de uma novata, depois de uma estudiosa, depois de alguém que apenas gostava de dançar. O livro. As tantas histórias de vocês. Quem começou e parou, quem começou e se tornou profissional, quem voltou e continuou. Há quem não tinha nascido e hoje está no baby class ou nos primeiros anos. Quem era criança e hoje é adolescente, quem estava saindo da infância e hoje é jovem, quem era jovem e hoje é adulta. Eu pisquei, o tempo passou e chegamos a uma década neste caminho.
Foi como eu queria? Um pouco sim, um tanto não. Foi o suficiente? Não sei. Só uma coisa é certa: foi como deveria ser.
Obrigada por todos esses anos, de coração. O blog não terminou, eu quero continuar, talvez em outros termos. Textos mais longos de vez em quando, um podcast curtinho, quem sabe? Mas este lugar está longe de acabar, porque é ele quem sempre me lembra: “Bailarina, você não vai voltar a dançar?”.
O ballet clássico é uma ode ao sofrimento. Horas e horas de aulas e ensaios. Dores pelo corpo todo. Pés machucados, com direito a unhas roxas prestes a cair. Lágrimas dia sim, outro também. Obsessão pelo movimento perfeito. Angústia desmedida por nunca atingir o apogeu. As tragédias gregas são mais tranquilas que a vida de uma bailarina.
É assim mesmo ou nós exageramos um pouco? Convenhamos, a menos que uma pessoa seja masoquista em um nível patológico, ninguém conseguiria viver assim. Mesmo para as bailarinas e os bailarinos profissionais, há um limite para o sofrimento. Ballet é difícil? Muito, como tantas outras coisas na vida.
Mas existe a alegria de dançar, a satisfação em ver o resultado de tanta dedicação, a plenitude de sentir-se finalmente uma bailarina. Por que isso não faz tanto sucesso? Porque o sofrimento é visto como sinônimo de luta: se sentimos dor, então nos dedicamos arduamente por alguma coisa.
A dor vale mais do que a alegria? Eu danço porque dançar me faz feliz. Há um punhado de tristezas? Sim, mas são poucas. O dia em que o ballet me fizer chorar encolhida na cama, eu procurarei outro amor na vida.
Por isso, em 2016, eu quero uma ode à alegria. É esse sorriso no rosto do Carlos Acosta e da Marianela Nuñez que desejarei a nós neste novo ano. E um pouco dessa doçura e delicadeza de La fille mal gardée não fará mal a ninguém.
Pas de ruban, La fille mal gardée, Royal Ballet. Carlos Acosta e Marianela Nuñez.