Chegou a nossa vez no Festival de Dança de Joinville

Criado em 1983, o Festival de Dança de Joinville se tornou o maior evento da dança brasileira. Dali saíram artistas que atuam no Brasil e no exterior, é raro encontrar brasileiros e brasileiras que dançam profissionalmente e que não tenham passado por aquele palco.

Além disso, não importa se você começou a dançar na infância ou mais tarde: você já ouviu falar do festival. Ou participou, ou conhece quem esteve lá, ou ouviu histórias de edições anteriores, ou acompanhou a distância, ou tudo isso ao mesmo tempo. De uma maneira ou de outra, o Festival de Dança de Joinville faz parte da memória afetiva da dança no país.

Para quem não sabe como ele funciona, o festival é dividido em Mostra Competitiva (oito gêneros de dança e duas categorias, júnior e sênior), Festival Meia Ponta (oito gêneros e uma categoria, infantil), Palco Aberto (apresentações pela cidade de Joinville; oito gêneros e quatro categorias, sênior, júnior, infantil e livre), Programação Didática (cursos e oficinas de dança) e Estímulo Mostra de Dança (apresentações de grupos premiados em primeiro lugar nas cinco últimas edições).

Agora, mais um evento entrou nessa lista: o Festival 40+, uma mostra competitiva voltada para maiores de 40 anos. Dividida em duas categorias ‒ sendo 40+ para pessoas entre 40 e 59 anos e 60+ para pessoas a partir de 60 anos e sem limite de idade ‒ e entre os gêneros dança de salão, dança coreográfica (gênero livre, por exemplo, ballet, jazz, danças urbanas, dança contemporânea e sapateado) e dança popular. Além disso, também existe a possibilidade de participação no Palco Aberto. É importante ressaltar que essa mostra é voltada para não profissionais, pessoas amadoras que sempre quiseram participar e não era possível.

Festival 40+. Imagem: Divulgação.

A MINHA OPINIÃO

Depois de toda essa explicação, a minha opinião sobre o assunto.

Eu escrevo há treze anos neste blog e perdi as contas de quantas vezes questionei por que não poderíamos dançar mesmo sem uma carreira no horizonte. Escrevi os textos “Ballet adulto iniciante é pleonasmo?“, em que eu questiono a ausência de um estudo aprofundado da técnica clássica nas aulas para adultas, e “Sentir-se uma criança“, em que eu conto sobre o meu incômodo nas apresentações de ballet clássico. Também falei brevemente sobre a minha admiração pelo flamenco, em que as bailaoras mais velhas são as estrelas da dança.

Em um outro texto, contei que passei por dez danças diferentes. Dança do ventre, dança cigana e flamenco foram os gêneros em que era comum ver mulheres mais velhas. Vi muitas delas dançarem lindamente, de encher os olhos, mas também não tenho dúvidas que elas existem em outras modalidades de dança. Por isso, sinto uma certa desolação por não vê-las sempre no palco. Sim, no palco. A dança pode nascer em salas de aula e de ensaio, mas ela só floresce no palco, diante da plateia. Nenhuma arte foi transformadora enquanto ficou confinada entre quatro paredes.

Por essa razão, essa iniciativa do Festival de Dança de Joinville é sensacional. As pessoas amadoras mais velhas vão se apresentar no mesmo palco que as aspirantes à dança profissional. Vão competir, mostrar seu talento, sua paixão, sua vontade, sua arte. Vão ser vistas, tanto pela banca examinadora quanto por bailarinas e bailarinos do país inteiro. Sem falar na troca: tantos jovens sonhando com a carreira profissional vendo pessoas mais velhas amadoras dançando; isso muda a mentalidade, a percepção, a noção do alcance da dança.

Além disso, será que as pessoas mais velhas continuarão sendo vistas como meras clientes que trazem dinheiro para os estúdios? Eu duvido, as escolas de dança buscam as primeiras classificações no festival, porque isso é visto como um atestado de sua qualidade. Pessoas adultas decidem onde querem estudar e pagam a própria mensalidade e estúdios vencedores no Festival 40+ poderão usar isso como chamariz.

Eu só vejo vantagens, para todo mundo.

“Ah, mas as adultas amadoras até 39 anos vão ficar de fora.” Sim, vão e não vejo isso como um problema. Vou explicar o motivo.

Vocês, “xóvens”, ainda não entraram na fase da vida em que se tornam invisíveis. Especialmente, as mulheres. Depois dos 40 anos, começamos a deixar de existir. Não vou abordar o assunto neste texto porque esse não é o objetivo, mas pesquisem o assunto, conversem com pessoas mais velhas para além do seu círculo social. Eu tenho 42 anos e já conheço minimamente o assunto. Acreditem, não é fácil.

Voltemos à dança. Somos vistas como as tiazonas lentas que sequer deveriam dançar. Quanto mais o tempo passa, a coisa vai piorando, piorando, piorando… Aí, o maior festival de dança do país olha para essas pessoas, elas são chamadas para o palco principal. O que acontece? Lá vem as jovens quererem também, oras, como assim só tem velha nisso aí? “Eu não sou assim.” Não é mesmo, mas se você viver bastante, vai ser, tá? É uma questão de tempo.

Quem sabe nas próximas edições seja criada a categoria 20+, para pessoas entre 20 e 39 anos. Eu acho que perde um pouquinho do sentido, porque um corpo de 20 é bem diferente de um corpo de quase 40. Mas, enfim, quem decide isso não sou eu.

Em resumo, a criação do Festival 40+ deve ser comemorada, aplaudida e incentivada. Torço imensamente para ser um sucesso, em todos os sentidos. A dança agradece.

O MATERIAL DE DIVULGAÇÃO

Vou comentar brevemente sobre essa celeuma porque eu acho necessário.

Para divulgar o Festival 40+, o perfil no Instagram do Festival de Dança de Joinville publicou a imagem que apareceu anteriormente neste texto acrescida da foto de uma senhora de cabelos brancos, collant rosa e tênis. O meu primeiro pensamento foi: JANE FONDA! Como vocês podem ver na montagem a seguir, eu não estava errada.

À esquerda, divulgação do Festival de Joinville para o Festival 40+.
À direita, Jane Fonda na divulgação de um dos seus VHS, no começo dos anos 1980.

Para quem não viveu essa época e não conhece o assunto, a moda dos anos 1980 era muito colorida, as polainas reinavam e o sucesso das academias era a aeróbica. Vocês acham que treinar em casa é coisa da pandemia? Que nada, Jane Fonda fazia sucesso com suas aulas em VHS e seus looks coloridos e brilhantes. Quem não a conhece, basicamente, Jane Fonda foi a protagonista de Barbarella (1968), foi indicada a sete Oscars de melhor atriz e ganhou pelos filmes Klute (1971) e Coming Home (1978) e hoje é a Grace da série Grace and Frankie (2015-2022), da Netflix.

Voltando à postagem, o que aconteceu não foi um reconhecimento imediato da analogia entre a senhora e a Jane Fonda. Foi uma enxurrada de críticas, de que “as bailarinas adultas não são assim”. Não são assim como? Para vocês terem uma ideia da repercussão, o post foi apagado.

Cuidado! Sem querer, vocês podem dar espaço ao ageísmo ou etarismo, o preconceito em relação à idade. Quem quiser saber mais, assista a essa matéria do Fantástico, no quadro “Isso tem nome”.

Sobre as críticas, existe uma série de questões: o festival não é voltado apenas para o ballet clássico, há pessoas mais velhas em várias modalidades, e como é uma bailarina adulta? Lânguida, de rosa antigo e perneira, pura doçura, sem aparentar a idade?

Eu cortei a foto na montagem, mas quem quiser ver a senhora de corpo inteiro, aqui. Vou contar o que me incomoda: os tênis e a postura dela. Eu trocaria os tênis por sapatilhas de meia-ponta ou botinhas de jazz, colocaria polaina e faria uma pose bem dançante. Melhor ainda se fosse uma coisa Flashdance (1983). Também faria a versão Dirty Dancing (1987), já que existe o gênero dança de salão. Sim, eu manteria a referência aos anos 1980, por causa da memória afetiva. Ou jogava logo uns anos 1970, um misto de Os embalos de sábado à noite (1977) e Dancin’ Days (1978-1979). Para mim, tem tudo a ver!

Eu sei, eu sei, vão dizer que é brega, datado, cafona, mas vocês não são o público-alvo. Deixem as mais velhas brilharem, o mundo já é de vocês. Chegou a nossa vez.

INFORMAÇÕES

As inscrições para o Festival 40+ terminam no dia 29 de abril de 2022. Para saber mais, visite a página do festival, aqui.

Blogs, sites, podcasts e perfis sobre dança

Eu sou uma apaixonada por informação. Sou comunicadora social, me formei em publicidade e até hoje não entendo por que não estudei jornalismo. Mesmo assim, sou uma profissional do texto e a qualidade da informação faz uma diferença imensa na minha vida e no meu trabalho.

Talvez vocês também sejam assim, gostem de saber mais sobre dança. Por isso, selecionei algumas fontes de informação sobre o assunto. Há outras tantas igualmente boas, mas escolhi estas porque gosto demais de todos esses trabalhos. Citei nominalmente as pessoas envolvidas em sua produção; produzir conteúdo dá muito trabalho e é importante sabermos quem faz tudo isso acontecer.

Quem quiser compartilhar outros blogs, sites, podcasts e perfis de dança, eu adorarei saber.

BLOGS

Isabella Gasparini
Durante a quarentena, a bailarina brasileira Isabella Gasparini resolveu criar um blog. Além de solista do Royal Ballet, ela estuda literatura inglesa e escrita na Open University. Os seus textos nos mostram como é ser bailarina profissional numa perfeita combinação entre a realidade da profissão e o encantamento de dançar em uma das maiores companhias do mundo. Se não bastasse isso, ela escreve muitíssimo bem!
Os textos são em inglês e em português.
Para acessar: pt.isabellagasparini.com

Vídeos de Ballet Clássico
Há mais de dez anos, a pesquisadora de dança Juliana Mel é conhecida por manter o Vídeos de Ballet Clássico, um blog de obras completas de ballet clássico. Para mim, um ponto importante do seu trabalho acaba ficando de lado: grande conhecedora de repertórios, os textos que acompanham as postagens valem a leitura por si só. O perfil no Instagram é um complemento, sempre com informações valiosas.
Os textos são em português.
Para acessar: videosdeballetclassico.blogspot.com

da Quarta Parede
O crítico de dança Henrique Rochelle mantém o da Quarta Parede, um blog onde publica a maior parte dos seus textos. Como ele é um pesquisador de dança e assiste a muitos espetáculos por ano, acompanhar as suas postagens é uma maneira de conhecer e entender sobre o assunto. Mesmo quem não assistiu ao espetáculos, vale a leitura, os seus textos são claros e nos dão uma bela ideia sobre cada obra.
Os textos são em português.
Para acessar: daquartaparede.com

SITE

Portal MUD
Criado por Natália Gresenberg e Talita Bretas, o Portal MUD é um espaço de memória, informação, divulgação e ensino de dança no Brasil. Se não me engano, é o site mais completo sobre dança do país. Um excelente trabalho que vale a pena ser consultado.
Os textos são em português.
Para acessar: portalmud.com.br/portal

Agenda de Dança
Criado pelo bailarino Tarcísio Cunha, o Agenda de Dança é um site de divulgação de eventos e espetáculos de dança no Brasil, além de outras informações sobre o assunto. Completo e atualizado, é para acompanhar sempre.
Os textos são em português.
Para acessar: agendadedanca.com.br

PODCAST

Contos do Balé
O podcast Contos do Balé é inspirado no livro homônimo de Inês Bogéa, diretora artística da São Paulo Companhia de Dança. Cada episódio é narrado por ela e por um convidado, e conta a história de um repertório. Voltado para crianças, nada impede que adultos também ouçam e se emocionem, é uma delicadeza para todo mundo.
Os episódios são em português.
Para acessar: open.spotify.com/show/72Q1juiisffMpAb1O3jGZf

Podançá
Produção do Festival de Dança de Joinville, o podcast Podançá traz entrevistas e conversas sobre dança com convidados e convidadas que fizeram parte da história do festival. Os assuntos são sempre pertinentes sobre a dança produzida no país e no exterior.
Os episódios são em português.
Para acessar: open.spotify.com/show/7ET2dI0ZAoVfcJfLhKcxMZ

Conversations on Dance
Produzido e apresentado pelos bailarinos Rebecca King Ferraro e Michael Sean Breeden, o podcast Conversations on Dance traz profissionais de dança, especialmente bailarinos e bailarinas. É mesmo uma conversa entre profissionais da área e entendemos melhor como funciona a dança profissional. Alguns brasileiros já participaram, como a bailarina Carla Körbes e o bailarino Jovani Furlan.
Os episódios são em inglês.
Para acessar: open.spotify.com/show/0audO74OlLuZyY7Nvf5D0F

PERFIS

Marius Petipa Society
A organização The Marius Petipa Society é uma espécie de mantenedora da obra de Marius Petipa. Com uma abordagem acadêmica, o site é a principal fonte de informações sobre suas obras e seu legado, e o perfil no Instagram sempre traz textos curtos, imagens e vídeos de remontagens pelo mundo afora. Indispensável para quem ama repertórios.
As publicações são em inglês.
Para acessar: @mariuspetipasociety

Al.longe
Alícia Cohim é a curadora deste perfil repleto de vídeos raros de dança. Às vezes encontro alguma obra, algum bailarino, alguma bailarina que eu não conhecia; e se conheço, revejo porque sempre vale a pena.
As publicações são em português.
Para acessar: @al.longe

Até que enfim!

Como ainda não consegui assistir ao vivo, eu já tinha cansado de procurar uma sequência completa de Serenade. No fim de semana, procurando vídeos dos vencedores do Festival de Joinville, encontrei a apresentação da São Paulo Companhia de Dança no Gala do Festival.

ATUALIZAÇÃO: Os vídeos que publiquei foram apagados do YouTube. Para o post não ficar perdido, assistam ao vídeo de divulgação desse mesmo gala, publicado no canal oficial do Festival de Dança de Joinville. Vemos dois momentos da São Paulo Companhia de Dança: começa com trechos de “Les noces” e aos 40”, vemos “Serenade”.