Uma das coisas mais legais do ballet clássico é existir um repertório específico sobre o Natal. Justamente por isso, uma das coisas mais cansativas do mês de dezembro é que o ballet clássico se resume a O Quebra-Nozes. Eu sei, é difícil fugir, o repertório é encantador, a história é uma graça, o soldadinho é fofo, mas depois de uma semana eu mal posso olhar para ele.
Nem entrarei no mérito da simbologia natalina, com tantas referências ao inverno e aos países do Norte, quando cá no Sul estamos em pleno verão e temos uma outra dinâmica, outras referências, outras vivências.
Estou azeda? Um pouco. Reflexo de uma pandemia que, no Brasil, não parece ter hora para acabar.
Nesses momentos em que o chão sob nossos pés não consegue nos manter estáveis, buscar nossas memórias mais doces é um alento.
O cheiro de ameixa fresca e manga rosa. O quentume da cozinha por causa do forno ligado. Farofa, de vários tipos. O presépio que eu montava com a minha tia na infância. O pisca-pisca da árvore. Os desenhos natalinos que eu obrigatoriamente assistia na manhã do dia 25. Os primeiros acordes da “Dança Chinesa”, “Dança Russa”, “Dança dos Mirlitons”, além da “Valsa das Flores”, todos de O Quebra-Nozes. Para mim, a música desse repertório é ainda mais presente que a coreografia.
Sim, todo um discurso para no fim dizer que eu não consigo fugir do soldadinho. Ele surgiu na minha vida antes mesmo de eu começar a dançar. Sejamos amigos, então. Quem sabe assim, ano após ano, ele volte a me dizer que ainda é possível sonhar.
Ilustração: Cristianne Fritsch