O quadro “Dança dos Famosos” estreou em 2005, no programa Domingão do Faustão, inspirado no programa Strictly Come Dancing. A premissa é simples: pessoas famosas em uma competição de dança de salão. Quem quiser ver a lista de participações em todas as edições, aqui.
O júri é dividido em júri artístico, geralmente artistas da emissora ou de outros lugares, e júri técnico, composto por profissionais renomados na área da dança. Na edição mais recente, o júri técnico foi maior que o júri artístico ‒ três a dois ‒ e passou a ser fixo. A meu ver, isso deu mais credibilidade à competição.
Quando eu comecei a fazer aulas de dança, em 2007, o “Dança dos Famosos” já existia. Eu via uma apresentação ou outra, mas, por incrível que pareça, a edição de 2022 foi a primeira que assisti do começo ao fim. Não era preconceito, tampouco desdém, só me incomodava um pouco o peso dado ao júri artístico em detrimento do técnico. Além disso, as notas eram quase sempre altas, mesmo quando claramente não era merecido. Cheguei a escrever sobre o meu descontentamento em 2010, no post “Das críticas“. Com a mudança, Carlinhos de Jesus, Ana Botafogo e Zebrinha (José Carlos Arandiba) me ganharam no primeiro dia. (Importante ressaltar, Claudia Mota e Renato Vieira chegaram a substituir Ana Botafogo e Zebrinha em um dia, respectivamente, por motivos de saúde. Ambos, igualmente profissionais reconhecidos.)
Não vou comentar toda a edição porque esse não é o objetivo. Vou falar basicamente de duas apresentações ‒ da semifinal e da final ‒ e minha opinião sobre esse tipo de programa na televisão.
A semifinal aconteceu no dia 26 de junho e ganhei um presente de aniversário: a modalidade escolhida foi dança contemporânea. Quem quiser assistir a trechos das apresentações, clique nos nomes de Sérgio Menezes, Vitória Strada, Vitão e Ana Furtado. A minha preferida foi a do Sérgio Menezes, mas as de Vitória Strada e Vitão foram de nível profissional. Só uma coisa me incomodou em algumas apresentações, as caras e boas, acho desnecessário.
A final aconteceu no último domingo, 3 de julho, e participaram Vitória Strada, Vitão e Ana Furtado com as modalidades valsa e samba. Vocês podem assistir a todas as apresentações aqui. A meu ver, Sérgio Menezes deveria estar na final juntamente com Vitória Strada e Vitão, mas quem sou eu na fila do pão.
Preciso confessar: durante a apresentação de Vitória Strada e Wagner Santos, seu professor, dançando valsa, eu chorei. Fiquei muito emocionada, tanto pela beleza quanto pela qualidade artística. Não à toa, ela ganhou sete notas 10: duas do júri artístico, três do júri técnico, uma da plateia e uma dos telespectadores que votaram em casa. Quem quiser ir direto para a valsa da Vitória, clique aqui.
No fim das contas, quem ganhou foi ela, Vitória Strada, e seu professor, Wagner Santos.
A MINHA OPINIÃO
Competições de dança não são novidade na TV ‒ quem aqui não conhece o So You Think You Can Dance e sua versão brasileira, o Se Ela Dança, Eu Danço? ‒ mas por que eu gosto especialmente da Dança dos Famosos? O seu alcance, em vários sentidos.
Primeiro, pela audiência. Talvez você não seja da turma que assiste TV aos domingos à tarde, mas uma parte da população brasileira, que tem na televisão sua única distração, sim. É a dança chegando à casa das pessoas e, para mim, só esse motivo seria o suficiente.
Segundo, pela diversidade dos participantes. Idades, corpos, gêneros, pessoas muito diferentes entre si participaram da competição, não só, algumas foram as vencedoras. Essa é uma maneira de diminuir preconceitos, abrir a mente das pessoas e mostrar que a dança não é reduto de mulheres jovens e magras.
Terceiro, pela questão técnica. De maneira geral, artistas não são vistos como profissionais, tampouco a arte é vista como um lugar de estudo e trabalho. Quando vemos Carlinhos de Jesus e Ana Botafogo, que furaram a bolha e são conhecidos nacionalmente, e Zebrinha, reconhecido no meio e conhecido agora, além de Claudia Mota e Renato Viera apontando questões técnicas e questionando escolhas artísticas eles estão dando aula para nós. Sem falar nas diferentes modalidades de dança com suas especificações (movimentos, música e figurino) e nas professoras e professores responsáveis pela dança acontecer. As pessoas começam a ver que aquela dancinha no churrasco é outra coisa.
Ao mesmo tempo, eles ressaltam que a dança é para todas as pessoas. Ou seja, eles conseguem mostrar que sim, a dança é para todo mundo; não, a dança não é qualquer coisa. Para quem dança, para quem faz aulas de dança, para quem tem a dança no dia a dia, isso parece algo sem importância. Parece, mas isso tem uma importância gigantesca para a valorização da dança.
Quarto, pela vontade de dançar. Já ouvi diversas vezes que, no período de duração do quadro, aumenta a procura por aulas de dança. Quem trabalha em escolas de dança, é isso mesmo? O programa influenciar alguém, de tal maneira, a querer dançar, querer fazer aulas, querer ter a dança na sua vida, nossa, é uma vitória imensa!
Uma coisa é dizer “a dança é para todo mundo”, outra coisa é realmente ver isso acontecer. Uma coisa é querer popularizar a dança, outra coisa é apoiar a sua popularização. A dança não deve existir apenas nos teatros ou nas salas de ensaio, ela deve estar em todos os lugares. No palco, na praça, na rua, na televisão, na internet, na vida. Só assim ela realmente será para todo mundo.
Das discussões sobre o ballet clássico
“Se achar que deve, desista”
Há tempos eu li essa frase, “Se achar que deve, desista”, e ela não saiu da minha cabeça. Em um mundo onde não podemos pensar em desistir, alguém dizer para fazermos justamente isso é para pensar.
De uma maneira ou de outra, eu já escrevi a esse respeito algumas vezes. Em 2012, em “Quando não somos a primeira-bailarina“; em 2019, em “Uma bailarina na Broadway“; e, neste ano, em “Um encontro, uma palestra e uma animação“.
No primeiro texto, contei que a Audrey Hepburn abandonou o sonho de ser bailarina profissional e se tornou atriz. No outro, escrevi sobre a bailarina Leanne Cope ter deixado o Royal Ballet para atuar na Broadway e, por fim, publiquei uma palestra em que a Miko Fogarty, jovem bailarina superconhecida nos festivais mundo afora, explicou por que deixou a carreira para estudar medicina.
Provavelmente, as três devem ter ouvido, “Por que você vai fazer isso? Não desista, continue! Uma hora você consegue o que quer!”. E se essa hora nunca chega?
Você sonha em ser bailarina profissional, mas não passa em nenhuma audição, não consegue estudar fora do país, não tem boas classificações nas competições, consegue de vez em quando um trabalho ou outro.
Você está tranquila como bailarina amadora. Faz aulas três vezes na semana, mas não vê evolução. Usa sapatilha de ponta há anos e não consegue fazer uma pirueta limpa. Dança apenas nas apresentações de fim de ano e sempre fica no corpo de baile e suas coreografias de dois minutos.
Você dança como hobby. Gosta da modalidade que escolheu, vê as aulas como momentos de aprendizagem e de confraternização, mas se sente no mesmo lugar. As aulas parecem uma repetição, você está sempre presa à mesma coisa.
Se as três contarem a qualquer pessoa que estão cansadas de nadarem e não saírem do lugar, elas vão ouvir: “Não é o seu sonho? Você não ama dançar? Essas aulas não te fazem bem? Não desista!”.
Sim, desista. Por que não?
Há pouco tempo, no texto “O meu (não) reconhecimento como bailarina adulta“, contei como eu acabei desistindo sem perceber. Talvez, o ballet tenha desistido de mim, quem sabe? A questão é que tirei um peso das costas, como se finalmente eu tivesse voltado a caminhar.
Quando eu falo em desistir, não falo em abandonar a dança, apesar dessa também ser uma possibilidade. Você pode ser profissional em outra função, não necessariamente bailarina. Você pode mudar de escola ou encontrar um lugar que acolha amadoras que querem dançar. Você pode continuar dançando por hobby, mas outra modalidade.
Há pessoas que estão tranquilas onde estão, porque veem esses acontecimentos como um “ainda não”. Elas estão erradas? De maneira alguma, se elas ainda querem nadar, é um direito delas. Cada pessoa sabe da sua própria história. Agora, se a angústia e a frustração viraram uma rotina, tudo bem desistir. “E a vergonha do fracasso?” A vergonha está sempre atrelada ao outro. Sentimos vergonha porque nos preocupamos com o que as outras pessoas vão pensar. E que diferença faz?
Todo mundo fracassa. Todo mundo desiste. Todo mundo passa por isso em algum momento. A diferença é que ninguém conta para ninguém.
A dança não pode ser um fardo, independentemente da função que ela tenha na sua vida. Seja ficar, seja desistir, que seja o melhor para você. Às vezes, basta mudar de caminho para a gente voltar a caminhar.
Fluidez dos movimentos
“De uma perspectiva espanhola, quanto mais elegante são o olhar, a pose dos braços e os movimentos, mais realistas eles são”.
Esse comentário é de Eduardo Laos, diretor da montagem de Dom Quixote para o Staatsballett Berlin, reproduzidas no post “A elegância em Dom Quixote“.
Lembrei dessas palavras ao assistir Danza IX (2018), do Ballet Nacional de España. Fiquei encantada pela fluidez dos movimentos: a dança faz parte do corpo da bailarina. Não conseguimos mais enxergar o limite entre a bailarina e os movimentos, ela é dona dessa coreografia, ela quem conta essa história. Não, ela não é a coreógrafa, essa obra é de Victoria Eugenia ‘Betty’. Mas se dissessem que é obra de Aloña Alonso, bailarina dessa apresentação, alguém duvidaria? Sem falar na elegância, é beleza do começo ao fim.
Danza IX (2018). BNS Historia. Ballet Nacional de España.
Coreografia: Victoria Eugenia ‘Betty’. Bailarina: Aloña Alonso.
Eu vejo essa fluidez de movimentos como um dos grandes objetivos na dança. Dançar sem parecer que houve tanto estudo, dançar sem transparecer as muitas horas de ensaio, dançar sem pensar na coreografia, dançar sem questionar, dançar simplesmente por dançar. Deixar a dança falar por si mesma.
Será que alguma vez eu consegui isso, lá atrás? Acredito que não. Mas se um dia eu voltar a dançar, esse vídeo será o meu exemplo a ser seguido, o que quero alcançar um dia. Quem sabe eu consiga.