Eu liguei um computador pela primeira vez aos 15 anos. Sabe quando eu tive o meu primeiro e-mail? Aos 18. Fui ter um blog aos 23 anos. Fui ter o meu primeiro perfil em uma rede social aos 24. Hoje eu tenho 42 anos.
A minha adolescência foi uma longa temporada de Confissões de adolescente, série da TV Cultura na década de 1990. Não cresci sob os olhares e likes das redes sociais. Compartilhar a própria vida na internet de maneira tão natural me parece algo estranho, fora do lugar.
Conto isso para dizer que o TikTok é uma incógnita para mim: uma rede social com mais de 73 milhões de usuários ativos no Brasil, segundo o DataReportal, em que vídeos de 15 segundos viralizam mais rápido que fofoca na família. Pois foi lá que as dancinhas de internet se tornaram febre.
Eu só ouvia falar e pensei que seria algo passageiro. Ano passado, li uma matéria sobre os vídeos de dança mais vistos e, depois de assisti-los, fiquei impressionada com a superficialidade da coisa toda. Até que a repescagem do Dança dos Famosos 2022 foi “dança da internet”. Uma competição séria, com três profissionais de renome no júri técnico. Depois, correu pela internet uma quadrilha de festa junina em que a dança tradicional deu lugar à “dança da internet”. Por fim, uma marca de celular lançou recentemente uma competição de “dança da internet”, com júri composto por famosos no TikTok. O que está acontecendo, “dança da internet” virou modalidade de dança?
Não queria tirar conclusões precipitadas, então, o jeito era passear pela plataforma. Foi o que eu fiz. Passei quase uma hora assistindo apenas às dancinhas do TikTok. Levando-se em consideração que cada vídeo tem apenas 15 segundos, eu vi bastante coisa.
Confesso, o que mais me impressionou foi a exposição de meninas adolescentes em trajes sumários sensualizando para milhões de pessoas. Poderíamos ficar um tempão analisando essa questão, mas como este blog é de dança, vou me ater a isso, mas reafirmo que acho preocupante.
Nos primeiros vídeos, “Até que dançam bem”, eu pensei. Depois de uns 20 minutos, senti que estava assistindo à mesma coisa. Quase uma hora depois, as coreografias eram bem familiares. Peraí, ninguém está inventado a roda: movimentos amplos dos braços e quadril se movimentando sem parar? Cansei de ver isso, minha gente!
Apenas para dar alguns exemplos ‒ clique no nome para os vídeos abrirem em uma nova janela ‒, temos o clássico nacional “Segura o tchan“, do É o Tchan; o grande hit das festas, “Macarena“, do Los Del Rio; e o meu preferido, “Ragatanga“, do Rouge. Quem tem a minha idade e não dançou publicamente uma dessas coreografias, não viveu no Brasil.
Desde então, aconteceram algumas mudanças cruciais. Antes, o sucesso das coreografias era uma consequência do sucesso das músicas. Hoje, o sentido é inverso, as coreografias impulsionam o sucesso das músicas. Além disso, a plateia é outra, de poucas pessoas conhecidas e próximas a milhares de pessoas desconhecidas e distantes. Por fim, além da dança, agora importa quem dança. Diretamente da sala de casa, uma pessoa pode virar celebridade instantânea, alcançar fama, dinheiro e status. Mal comparando, é como se a primeira-bailarina do bairro tivesse conseguido o papel principal de Giselle e se apresentasse no palco do Teatro Municipal.
A MINHA OPINIÃO
Desde os tempos de blogueiras, youtubers, influenciadores e produtores de conteúdo ‒ nomes diferentes para a mesma coisa ‒, os limites entre profissional e amador se confundem. Existe uma linha tênue entre “saber” e “parecer que sabe”. Muitas vezes, o conhecimento e a experiência são engolidos pela fama, quem estudou e trabalhou com um assunto a vida toda acaba preterido pelos analistas de última hora, pouco importa se o que dizem é verdade ou não. É muito mais fácil para essas pessoas conseguirem espaço, visibilidade, trabalho, reconhecimento e dinheiro.
Há quem fure essa bolha e consiga destaque naquilo que sabe? Sim, ainda bem!, mas nem sempre conseguimos saber quem são essas pessoas.
Em relação à dança, por enquanto, existe uma distinção clara entre profissional e amador. Se por um lado, a dança é uma das artes mais renegadas, por outro, para dançar profissionalmente é preciso saber dançar. Não dá para fingir, tampouco fazer de conta. Não importa a modalidade, ou você dança ou você dança, não existe outra opção. Ou não existia.
Eu não tenho problema algum com a “dança da internet” em si, as minhas questões são outras. Eu me pergunto, se quem dança na sala de casa está ganhando o espaço, o dinheiro e a fama que muitos profissionais não conseguiram a vida toda, isso vai afetar o mercado profissional? Vai afetar a formação dos profissionais de dança? Nas audições, será exigido ter milhares de seguidores nas redes sociais, como já acontece com atores e atrizes? A “dança da internet” vai sair das telas e migrará para os palcos? A percepção do público em geral a respeito da dança vai mudar daqui para frente?
Eu não tenho resposta para nenhuma dessas perguntas, mas todas elas estão borbulhando na minha cabeça. Só sei que vivemos em um país onde fama e dinheiro valem mais do que cultura e conhecimento, e isso faz toda a diferença.
É exagero meu, por ter crescido em outra época, ou vocês veem da mesma maneira? O que vocês acham?
Olha, se vai acontecer o mesmo com “atrizes” e “atores” que só conseguem papel pelo número de seguidores, acho que não tem como prever, mas quero apontar alguns lados, em parte bons, em parte ruins dessa popularização da dança amadora no TikTok:
Primeiro, é uma plataforma de entretenimento. Tanto para gerar lucros bons aos usuários com muitos seguidores, como um lucro exorbitante para os donos da plataforma. Mas, pega esta visão: aquela tia de 60 anos de idade, que sempre sonhou em ser bailarina, mas nunca pôde, faz uma dancinha qualquer bem ensaiada, de qualidade obviamente amadora, viraliza, e mesmo que todos saibam que ela não é a Margot Fonteyn, aplaudem e dão a ela o reconhecimento que pessoas comuns e anônimas jamais teriam de outra forma, só pela coragem dela de ser ela mesma. Particularmente, acho isso bom: a liberdade de dançar, ser feliz e ter gente do mundo todo congratulando isso com você.
Segundo: grandes companhias de ballet, para bem e para mal, são bastante conservadoras, assim como seu público-alvo principal. Assim, bailarinas em ascensão com grande apelo na internet, como a Maria Khoreva, pra citar um exemplo, só vão subir de posto se mostrarem serviço no palco pra valer, e não no engajamento nas redes sociais.
Terceiro: infelizmente, por uma série de fatores que vão do QI (quem indica) ao racismo, alguns grandes talentos ficam em segundo plano nessas mesmas grandes companhias conservadoras. Na internet eles têm a chance de demonstrar publicamente ao que vieram, e eu andei vendo debates bastante interessantes a esse respeito, do tipo: bailarino X deveria estar entre os primos ballerinos na Companhia Y, no lugar do bailarino Z, que só tá lá porque é um branco padrãozinho (não quero citar nomes porque eu sei o tamanho da treta que isso dá). E nisso eu coloco a minha esperança: que o número de views e o engajamento façam as companhias reverem certas posturas no futuro quanto a essa questão de falta de diversidade.
Pra finalizar, menores de idade sensualizando é um problema que existe desde que este mundo é mundo, infelizmente. A plataforma só fez isso globalizar e se evidenciar ainda mais, portanto, o buraco é muito mais embaixo, de fato, como você disse, é questão pra se debater em outro momento e com mais profundidade. Mas te recomendo ir ao campo de busca do TikTok e lá escrever o que você gostaria de ver nos seus reels, porque te garanto que tem muita coisa de qualidade excepcional. Tanto de bailarinas e bailarinos de companhias conhecidas, quanto de pessoas anônimas. O bom desses algoritmos é que você pode sair daquelas danças monótonas que se repetem, clicando em cima do vídeo e marcando a opção “não interessado”, ou simplesmente rolando pra cima.
Que reflexão interessante… fazia muito tempo que eu não assistia “Dança dos Famosos”, e assisti justamente nesse dia das “dancinhas da Internet” e fiquei muito surpresa! Fiquei me perguntando se era uma modalidade de dança. Ainda não sei bem o que pensar, mas não vi nada que realmente me acrescentou nesse tipo de modalidade, por assim dizer. O que mais me me preocupei foi com a sexualização exagerada de meninas tão jovens.
Acho que o estigma de “dancinha da internet” ainda é muito grande e não vai ultrapassar a barreira do amador tão cedo, porque há danças “parecidas” que fazem melhor… E também por ser feito por basicamente adolescentes. Mas é tudo achismo, né, não temos como saber. Só torcer , hahaah