Ode à dor

Alguns anos atrás, eu escrevi um texto sobre a relação entre as bailarinas e a dor. Em um trecho, disse que um dos grandes aprendizados de uma bailarina era seguir sorrindo mesmo morrendo de dor, e terminava com a frase: “Aprendi o quanto é necessário suportá-la para que eu consiga brilhar na vida”.

Foto: Ballet in Cuba, 2001, Amy Arbus.

Ao reler, só consegui pensar onde eu estava com a cabeça. Eu não gosto de sentir dor. Tenho uma boa resistência a ela, mas não dou corda para a sua existência. O que aconteceu para eu defendê-la publicamente? Fui influenciada pela ode à dor. Durante os meus poucos anos de aulas regulares de ballet, sempre ouvi de professoras e alunas que a dor deve ser tolerada, suportada e defendida. Essa ideia também existe na literatura, no cinema, nas séries, nas artes em geral. Sem dor, o ballet clássico não existiria.

“Concentrar-se constantemente no fato que nós estamos sentindo dor é errado. Há lesões, como qualquer atleta, porque nós levamos a vida de atletas em nossa rotina, mas não é por essa razão que fazemos isso. Nós não somos masoquistas. Nós não gostamos da dor. Não é algum tipo de ritual religioso. Você não pode e não deve pensar que você tem de sofrer pela arte.”

Tamara Rojo, entrevista ao The Guardian, 13 jun. 2011

É bonito associar o ballet clássico ao sacrifício, danço enquanto meu corpo está sofrendo, o amor tudo suporta. Só nos esquecemos de algumas coisas. Não temos de dançar várias obras em uma temporada. Não corremos o risco de perder a oportunidade sonhada por uma vida. Não perdemos a chance de trabalhar com um coreógrafo reconhecido. Não deixamos de realizar bem uma sequência coreográfica porque o corpo não corresponde. Quando a dança é profissão, a história é outra.

Cada vez mais as companhias de dança têm se preocupado com a saúde de suas bailarinas e de seus bailarinos. Salas equipadas para musculação e pilates, fisioterapeutas presentes no dia a dia, um aparato para a prevenção e o cuidado de lesões. Como exemplo, assistam aos vídeos do Royal Ballet e do Australian Ballet falando sobre o assunto. Não é bom, proveitoso ou legal sentir dor. Faz parte? Sim, mas é necessário que ela exista o menos possível.

Quem ainda duvida, assista ao episódio “Injuries“, da série city.ballet sobre os bastidores do New York City Ballet. Não é preciso saber inglês para entender, as expressões de dor dizem tudo. Vocês acham mesmo que é aceitável dançar assim?

Sem saúde, ninguém dança. Nem amadores, tampouco profissionais.

Um comentário sobre “Ode à dor

  1. Minha tolerância sempre foi baixa e eu sempre detestei passar por alongamentos e adágios. Já me machuquei porque não pararam de forçar uma flexibilidade que eu não tinha, então nem posso concordar mais!!!!! Pra que ferir a única coisa que você tem?!

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