Não farei uma ode à dor. Bailarina sente dor e todo mundo sabe. Não farei uma ode ao sofrimento, porque todo artista conhece bem o seu significado. Não farei uma ode à dedicação, porque disso pressupõe qualquer trabalho bem-feito.
Farei uma ode à plenitude. Eu danço porque adoro sorrir. Por dentro.
Eu sou bailarina até de pijama. O meu corpo carrega consigo a técnica que eu já aprendi e espera ansiosamente por aquilo que eu ainda não conheço. As músicas dos repertórios soam na minha cabeça ao longo do dia; quando não, as cantarolo sem querer.
A rotina das aulas de ballet clássico. As descobertas de uma coreografia. As mil repetições. Nada disso é um fardo para mim. Sou apaixonada por todo o processo. Assim, entendo o significado da palavra “pertencimento”. A dança é o meu lugar.
Não quero a medalha do “eu consegui!” porque não há um fim. A minha busca é outra: eu não sou atleta, eu sou bailarina.
Sinto apenas por não estar no palco como eu gostaria e o tanto que eu gostaria. Mas o ballet clássico está comigo o tempo todo e isso é o suficiente para me fazer sorrir. Por dentro.
Feliz Dia da Bailarina, especialmente àquelas que são bailarinas sempre, mesmo que ninguém esteja olhando.
*
Não, eu não me enganei. Este texto foi escrito ano passado, no Dia da Bailarina, e publicado na antiga página do blog no Facebook e também no meu blog pessoal. Só então percebi que não o publiquei aqui. Ainda vale, mesmo em outra data?
Cássia, quando você publicou este texto pela primeira vez foi um sopro de esperança em minha vida.
Já estava cansada de minha professora dizer que bailarina tem que sofrer, tem que sentir aquela dorzinha gostosa e de que éramos atletas que tem que superar limites.
Concordo que bailarinos estão sempre superando limites (principalmente os pessoais e emocionais), mas não somos atletas que tem como única meta subir ao pódio. Somos artistas que querem subir no palco e emocionar plateias, queremos vencer barreiras e arrancar suspiros, queremos um passo perfeito e um sorriso aberto.
Um dia, já cheia de tanta lenga lenga falei em alto e bom tom para a tal professora que “Não era uma atleta… era uma bailarina… uma bailarina adulta”, parece que ela entendeu e começou a amenizar suas cobranças (eu era a única acima dos 30 anos em uma turma de jovens de 16). No começo deste ano até tentei continuar na mesma academia porque gostava muito das demais alunas e gosto da professora como pessoa, resolvi que este ano daria uma última chance para ela, não durou um mês minha tentativa.
Felizmente encontrei uma outra academia com um pessoal muito receptivo e aulas muito puxadas que eu adorava, mas por um motivo muito legal (que a Cássia já sabe e depois eu conto) precisei parar de dançar. Porém assim que puder volto as aulas de Ballet Clássico, não para ser apenas uma bailarina, mas para ser feliz.
Beijinhos… Carol Celeghin
http://carolinaericardo.blogspot.com
Oi Cássia!
Vi esse seu texto e resolvi fazer um comentário pessoal.
Comecei a fazer ballet aos 18 anos, embora sonhasse com isso desde criança. Durante muito tempo sustentei para mim mesma a versão de que não comecei quando pequena porque meus pais não tinham condições financeiras, quando a verdade era que eu tinha vergonha por ser gordinha, diferente de todas as minhas amigas e colegas que faziam ballet. Desisti antes de tentar.
A vontade ficou guardada até meus 18 anos, quando descobri uma ONG no meu bairro onde haviam aulas por preços bastante acessíveis. Superei minha vergonha, sempre presente, e comecei e me dediquei ao máximo.
E cada nova descoberta, port de bras, pliés, passes, en dehors, en dedans, demi détourné, developpés, cada nova palavra e seu significado, era tudo tão bonito e tão significativo pra mim que a sensação foi de voltar pra casa depois de um longo tempo fora.
Mas ainda assim, com todo o meu entusiasmo e dedicação, eu tinha 18 anos. Embora não fosse mais tão gordinha, não era exatamente magra e, apesar de ter uma flexibilidade natural, tinha músculos fracos e pouquíssimo equilíbrio.
Cada novo avanço vinha acompanhado de 10 novas dificuldades.
Foi então que eu comecei a me perguntar ‘Será que algum dia eu vou poder me considerar uma bailarina?’, ‘Será que um dia eu serei digna de ser chamada “bailarina”?’.
Isso foi desanimador, porque eu conhecia a história, conhecia as regras do mundo do ballet e sabia dos anos de estudo, dos dias e horas de repetição e dedicação essenciais à qualquer bom bailarino, fora as exigências em relação ao tipo físico. Tentar ir contra esses conceitos era utopia.
Desanimei. Parei, por várias razões, a saudade gritou e voltei no ano passado, já com 21 anos.
Comecei a procurar histórias de outras moças que haviam começado ballet “depois da idade”, e então encontrei seu blog há alguns meses. Comecei a acompanhar suas experiências e estudos e enfim chegamos nesse post e na sua declaração apaixonada ao Ballet Clássico.
Talvez as pessoas não me vejam como bailarina. Mas eu sinto que sou uma bailarina.
Sinto que sou bailarina quando estou sentada no trabalho e forço minha ponta sob a mesa. Sinto que sou bailarina quando estou esperando o ônibus no ponto e percebo o meu en dehors, já natural. Sinto que sou bailarina quando ouço o pas de deux de O Quebra Nozes e sinto meu coração crescer dentro do peito.
Eu sou bailarina. Amo o ballet clássico, sei que jamais serei como as grandes prima ballerinas que tanto admiro, mas prometi pra mim mesma: ok, eu nunca vou ser uma bailarina profissional, mas vou chegar muito perto disso. Com todas as dificuldades já vividas e esperadas, sim, mas com muita força de vontade também.
Desculpe o comentário enorme, mas senti vontade de compartilhar a minha experiência com você, já que você compartilha tanto conosco. Obrigada pelos seus textos sempre tão precisos e todo o material de estudo, e acima de tudo, por expor também suas emoções em relação a essa arte que nos enche de tanta alegria.
Parabéns pelo seu trabalho e pela inspiração. Continuo acompanhando sempre.
E Feliz Dia da Bailarina atrasado! 🙂
Fernanda, muito obrigada por compartilhar a sua história. Eu sorri quando li “Eu sou bailarina”, porque você é! Não importa se os outros a veem assim ou não, porque o que eles veem ou acham não faz a menor diferença. Eu fico muito feliz quando, depois de tantos percalços, alguém se firma na dança com tamanha certeza. Eu que lhe dou os parabéns! E sinta-se sempre acolhida por aqui. =]
Imenso beijo.
É claro que vale Cássia! Não deixamos de ser bailarinas um dia sequer, até porque o ballet é isso: rotina.