“O que elas tinham em comum era um senso de coragem. E quero separar coragem e bravura para vocês por um minuto. Coragem, a definição original de coragem quando veio para a língua inglesa – é da palavra latina cor, que significa coração – e a definição original era contar a história de quem você é com todo o seu coração. Então, essas pessoas tinham, simplesmente, a coragem de serem imperfeitas.”
Brené Brown, trecho da palestra “O poder da vulnerabilidade”. Para assistir, aqui.
Imaginem a seguinte situação. Você é solista de uma das maiores companhias de dança do mundo. Por essa razão, às vezes você dança os papéis principais de alguns ballets. Gamzatti, por exemplo, há exatos dois anos.
Em determinado dia, a apresentação de La Bayadère realizada pela companhia seria transmitida para vários cinemas de todo o continente. Ao vivo. Por alguma ironia do destino, todas as bailarinas escaladas para fazerem o papel de Gamzatti sofreram alguma lesão. Cinco ou seis, ao todo. O maître de ballet lhe diz: “Você dançou o papel de Gamzatti há dois anos, certo? Você se lembra dele? Será que você pode dançá-lo esta noite? Se você não fizer isso, não há mais ninguém”.
E aí? Você não se apresenta e deixa a companhia resolver o problema, ou você encara sabendo que dançou o papel há dois anos, não fará ensaio geral e será vista ao vivo nos cinemas de vários países?
Ludmila Pagliero disse sim. Ela era première danseuse, havia dançado La Bayadère dois anos antes, até o momento em que Laurent Hilaire pediu a ela para praticamente salvar a Ópera de Paris naquele dia.
A seguir, o grand pas de deux do segundo ato, ela e Josua Hoffalt justamente nessa apresentação.
Ela não fez o cabriole na altura que deveria. Ela terminou os fouettés antes do tempo. Agora releiam o trecho que abre o post. O que uma bailarina, que tanto treina para ser perfeita, precisa ter para aceitar o desafio de ser imperfeita para tantas pessoas ao mesmo tempo? Coragem.
Ao final do espetáculo, o que aconteceu? Ela foi nomeada étoile.
Quando perdemos o medo de sermos imperfeitas e aceitamos que perfeição não existe, surge a coragem. E as coisas finalmente começam a acontecer.
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Ludmila Pagliero contou essa história na entrevista “Confession d’une danseuse étoile” para a Grazia.fr. Para ler, aqui.
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ATUALIZAÇÃO: Como eu percebi que este post tomou uma proporção maior do que o esperado, e por caminhos que não necessariamente condizem com o que escrevi, resolvi esclarecer. O trecho da palestra da Brené Brown que abre este post fala sobre a diferença entre coragem e bravura. Eu falei sobre coragem. Muita gente entendeu bravura.
Eu me referi à coragem segundo sua definição original, “contar a história de quem você é com todo o seu coração”. Ser quem somos implica em aceitarmos a imperfeição como algo inerente a nós e fazermos o que deve ser feito. Não é ser destemida e se jogar sem medo, porque o medo faz parte do processo. Ou alguém acha que a Ludmila Pagliero não tremeu por dentro o tempo todo? No fim das contas, o texto parece ser uma ode à autoajuda: “Vamos lá, se joguem!” Não é nada disso. Só quis dizer para termos coragem de ser quem somos, imperfeitas como nos apresentamos. E dançarmos bem mesmo assim.
Fiquei até emocionada de ler esse post pq comigo aconteceu mais ou menos a mesma coisa.
Tive que substituir uma bailarina com praticamente 1 semana de antecedência à apresentação.Sou novata na companhia. Ensaiei praticamente a semana inteira com minha professora, treinei em casa, aceitei o desafio de não deixar a coreografia dar errado. Resultado: Fui escalada para fazer um solo no próximo espetáculo e quase não acreditei. As vezes é questão de deixar o pessimismo de lado e se entregar completamente ao trabalho. Vc é capaz de conseguir tudo o que quiser se não tiver medo. Isso não vale apenas para a dança. Beijoos Cássia!
Adorando seu blog! Tenho 20 anos e estou doida pra começar um curso de ballet!!! Na minha cidade encontrei apenas cursos livres, então surgiu uma dúvida: nesse tipo de curso, pode-se chegar a tão sonhada saspatilha de ponta???
Obrigaaada. Beijos e parabéns pela dedicação.
Olá Pah,
Vi seu questionamento, estava sem resposta e acho que posso responder.
Comecei o ballet adulta, com 21 anos e agora em agosto fazem 4 anos que estou no mundo da dança.Na época da escola fiz algumas danças, mas sempre superficial, nada com muita técnica. Nunca fiz ballet clássico e comecei a dançar na ponta depois de 07 meses de aula. Fazia aula 4x por semana e sempre procurava prestar atenção ao máximo em tudo que era passado pra mim, e quase não faltava as aulas. Não sei se pra vc o tempo vai ser o mesmo. Tem pessoas na mesma turma que eu que só subiram na ponta depois de 1 ano e meio de aula. Mas isso varia de aluno pra aluno.
Se você tem um sonho de dançar, vá em frente, se matricule numa academia e tenha dedicação.
Espero que você tenha gostado da resposta.
Beijos
Que lindo, Cássia! Muito bonito mesmo.
Uma dúvida: A Aurélie Dupont também é uma étoile?
Sim, Isabela, a Aurélie Dupont também é uma étoile, e desde 1998.
Grande beijo.
Tapa na minha cara! Lindo texto! Estou lendo tudo quietinha, daqui de dentro do meu casulinho e criando coragem… Obrigada, flor, por palavras tão emocionantes 🙂
Gente, essa bailarina redefiniu a minha ideia de coragem. Mereceu mesmo o que conquistou, diva.
Como não se sentir covarde perto de uma coisa dessas?? haha
Beijos.
nossa! Que emocionante. Fiquei emocionada lende essa história. Lindo!!
Olá Cássia, fiquei impressionada com essa história, impressionante. Sou bailarina também, e estou criando um blog de dança. Eu gostei muito desta parte do post: “Quando perdemos o medo de sermos imperfeitas e aceitamos que perfeição não existe, surge a coragem. E as coisas finalmente começam a acontecer.” Gostaria de pedir sua permissão para colocá-lo em meu blog, citando o seu nome e o nome do seu blog é claro. Espero por uma resposta, caso seja positiva, futuramente eu coloco aqui o link para você ver como ficou! Obrigada, parabéns pelo blog!
Também tive que comentar! Lindo post, e me emocionei sobremaneira justamente por estar passando por algo parecido. Não que seja bailarina profissional ou algo do gênero, muito longe disso! Voltei ao Ballet em agosto de 2011, vai completar 01 ano, depois de ter feito uns 5/6 anos quando criança e parado por mais de 10. Comecei no básico, no começo do ano fui “promovida” pro intermediário, e agora em julho, com o curso todo em férias, fui convidada pela diretora para fazer aula durante todo o mês com a turma avançada. Depois da primeira aula, e sempre com o apoio da diretora/professora, – que, inclusive, fala pra eu não me preocupar, pq ela nem está me olhando! – me dei conta do quanto ainda sou ruim, se comparada com essas meninas de 12/13 anos que já estão nessa turma há algum tempo. Mas, dia após dia, mesmo sabendo de minhas limitações, coloco a vergonha de lado, visto minha capa da coragem e vou lá enfrentar as quase 3h de aula super avançada. Não consigo fazer todos os passos, não decoro todas as seqüências ultra mega rápidas e complexas, mas estou lá, tentando, e sonhando conseguir chegar, algum dia, no mesmo nível daquelas meninas. Sem coragem de aventurar, sem meter a cara no desconhecido, permanecemos na nossa zona de conforto. Mas, dificilmente, coisas maravilhosas vão acontecer! Até porque, como diz essa minha professora, é só assim que se aprende! 🙂
Lindo post.! Aproveitei para ver novamente a nomeação dela em étoile. Como sempre, me emocionei. Ela foi muito corajosa. Mereceu estar no topo!
Naquele documentário sobre Margot Fonteyn que costuma passar no GNT, há uma passagem onde um professor de ballet fala assim pra Margot:
“O ballet exige perfeição, mas a perfeição é algo que não existe”.
Até os melhores e mais consagrados bailanos, como Natalia Osipova e Sylve Guillem, já erraram em cena, e mesmo assim continuaram e foram até o fim, pois o show tem que continuar!!!
Lindíssimo Cassinha! Parabéns!
É isso aí!!!
beijokas e saudades
Olá Cássia!
Há muito tempo que não comentava aqui no blog, mas não deixo de ler os seus artigos, aliás o blog é uma das minhas homepages. Mas agora ao ler este tive de comentar… É tão verdade o que disse! É preciso ter coragem para mostrar aos outros que não somos perfeitas e nem vou tão longe exemplificando com uma bailarina profissional. Ela tinha muito a perder ou a ganhar com o que faria nessa apresentação, mas arriscou, teve coragem e ganhou muito!
Sucedeu, creio que numa das últimas aulas do ano passado, que eu estava sozinha na aula com a professora e portanto, com os olhos dela cravejados em mim, a fazer um exercicío de centro que é um dos meus pontos fracos, pirouettes. Estava nervosa (vá-se lá saber porquê, era só uma aula, não era uma apresentação para milhares de pessoas 😀 ) e olhava constantemente para ela com as sobrancelhas cerradas em vez de estar a tentar focar o ponto e manter-me equilibrada. Foi então que ela me disse com voz alta e firme: “Vanessa, pára de procurar aprovação porque aqui ninguém te vai desaprovar. Concentra-te!”. Oh aquilo para mim, a preferida da professora, foi um bocadinho chocante! Mas foi também revelador. Eu estava com tanto medo de demonstrar as minhas falhas que estava exactamente a expô-las!! Então, eu segui o conselho dela, concentrei-me, e foi o melhor que fiz. Nunca me senti tão bem e com tanto prazer as fazer as tão temidas pirouettes! E ela pôs-me a fazer imeeeensas… No fim, elogiou-me e disse que nunca me tinha visto tão bem!
Para mim também valeu muito a pena ter a coragem de não ser perfeita!
O seu blog está cada vez melhor, Cássia, obrigada por continuar a compartilhar connosco. E felicidades para o seu curso!
Beijos