Ballet é coisa de menina. Futebol é coisa de menino.

Em agosto, eu escrevi o post Homens no ballet, parte 1 e contei algumas situações preconceituosas em relação à sexualidade dos bailarinos. Disse que conversaríamos para valer sobre o assunto em um próximo post.

Pensei e repensei como escrevê-lo sem gerar polêmica ou levar a discussão para um lado que não é o objetivo do blog. Por isso demorei tanto para voltar ao assunto. Até que pensei: “Seja didática, Cássia”. Serei.

É raro quem não tenho ouvido que ballet é coisa de menina e futebol é coisa de menino. Crescemos com isso. Pode ser em casa, pode ser na escola, pode ser na vizinhança. É cultural: o Brasil é um país machista e temos sim essa divisão entre coisas de um e coisas de outro. Bem menos do que antigamente, mas bem mais do que deveria ser.

Talvez (eu disse talvez!) essas divisões estejam relacionadas por acharmos que nossas ações e nossa sexualidade caminham de mãos dadas. Se faço coisas de mulher, eu sou uma mulher, eu gosto de homens. Se faço coisas de homem, eu sou um homem e gosto de mulheres. Qualquer desvio disso gera uma confusão. Desvio. Este é o problema: achamos que, o que foge disso é um desvio. Será?

Vou contar uma história. Conheço uma mulher que, aos 10 anos, gostava muito mais de estar entre os meninos do que entre as meninas. Ela tinha mais amigos do que amigas. Sentia-se mais à vontade com eles. Achava os meninos muito mais legais. Os meninos gostavam muito dela. Sem falar que ela era “a” melhor em matemática. Adorava jogar futebol. No recreio, a primeira coisa que ela fazia era correr para a quadra, jogar com os meninos. Depois da aula, ela também adorava fazer isso. Preciso dizer que ela era a chacota entre as meninas? Não, não preciso.

Estou imaginando o que vocês estão pensando. O que aconteceu com essa menina quando ela cresceu?

Hoje, ela tem 32 anos. Ela nunca sentiu desejo por mulher. Ela nunca se apaixonou por uma mulher. Ela nunca namorou uma mulher. Ela continuou achando os meninos mais interessantes. Ela sempre se apaixonou por eles. E o seu desejo sempre teve esses rapazes como alvo.

Sim, essa mulher sou eu.

Perceberam como é bizarro eu ter de contar que gosto de rapazes? De ter de explicar que sou heterossexual “apesar” de andar com meninos e adorar futebol na infância e adolescência?

Por que um garoto, um adolescente, um rapaz, um homem tem de se explicar, o tempo todo, sobre a sua sexualidade pelo simples fato de estar no ballet clássico? Cansei de ver entrevistas de bailarinos falando sobre isso. Se ele é heterossexual, tem de se explicar. Se ele é homossexual, tem de ouvir um “claro, bailarino é gay!”.

Pior. Achamos que o simples fato de estar em um meio define a sexualidade de alguém. Vocês acham isso mesmo? Em pleno século 21, vocês ainda acham que alguém “vira” gay? Se você ainda pensa assim, está na hora de estudar e pesquisar a respeito. “E você pesquisou, Cássia?”. Não apenas pesquisei. Eu peguei uma parte de uma das minhas sessões de terapia – que faço para falar de mim e dos meus problemas – para conversar com a terapeuta a esse respeito. Disse a ela que não queria falar bobagem no blog. E ela me explicou, por a+b, como essas afirmações não têm fundamento. A sexualidade humana tem tantos meandros e mistérios que chega a ser ingenuidade alguém achar que as coisas funcionam de maneira tão simples.

Vamos acabar com essa história de que bailarinos são gays? Bailarinos são bailarinos. Ponto. O que está além disso não é, nem nunca será, da conta de ninguém. Claro, alguém dirá: “Mas há muito mais bailarinos gays do que o contrário”. Sim, há. E vocês nunca pensaram que isso acontece pelo preconceito em torno do ballet clássico? Isso inibe muitos garotos a começarem a dançar. Não só, muitos esbarram na própria família, que não deixam o menino dançar. Eu já recebi vários e-mails de homens querendo fazer ballet, que trazem essa vontade desde a infância, mas que ainda hoje morrem de medo do que irão enfrentar.

Um dia, isso terá de acabar. Mas antes, é preciso começar no próprio ballet clássico, nos estúdios e escolas de dança. Há professoras e alunas que tratam o ballet clássico como “coisa de menina”. Não, ballet clássico é para meninas e meninos.

Por isso, na próxima vez que um aluno entrar na sua turma, lembre-se que ele não é um mero coadjuvante no pas de deux. Ele é tão bailarino quanto você. E não se esqueça do mais importante: o que cada um ali faz de sua vida pessoal não diz respeito a ninguém.

*

O post Homens no ballet, parte 2 virá, mas será para mostrar grandes bailarinos que marcaram a história do ballet clássico. Que, aliás, começou de fato pelas mãos de um homem.

12 comentários sobre “Ballet é coisa de menina. Futebol é coisa de menino.

  1. Olá eu sou Alexandre O. Schepis, e eu queria saber porque eu não posso fazer BALLET!!!!!
    Todos os dias eu tenho que ficar das 6:00 às 11:00 em uma escola de dança, que tem todos os ritmos e têm ballet!Só que a minha mãe fala que é coisa de menina, é coisa de menina, é coisa de menina; e ela fala pra mim:
    – Você não é louco de contar para o seu padrasto!
    Quando eles não estão em casa em danço copiando da internet.

    Eu sou Alexandre, tenho 11 anos e moro em Santos.

    1. Olá, olha eu tenho um amigo e ele tambem tem está vontade de dançar ballet e não acho que seja coisa de menina ele me disse que os amigos iriam rir pois então disse a ele : olha você não deve sentir vergonha pois então, quando disserem que ballet é coisa de menina diga a ele que o inventor do ballet era um homem : e para falar a verdade dizem tambem que futebol é coisa de menino eu por exemplo converso mais com meninos que com meninas a maioria dos meus amigos são garotos e todos sabem e eu sempre gostei de futebol então diga a sua mãe procure informações na internet e fale a sua mãe a origem do ballet explique a ela esta vontade faça como eu meu pai não me quer numa escola de futebol porque sou menina então mostrei a ele que meninas tambem jogam e ele vai me colocar em uma escolinha de futebol e volei e so para comentar eu amo ballet

  2. Meu nome é Fernando Gomes, e estou começando a dançar o Ballet Clássico e sim sou gay !
    Como é sempre bom ver pessoas com algum certo tipo de pensamento como o seu. Hoje em dia o preconceito ainda é um grande problema que atingi diretamente a vida de todos, e pessoas como você merece verdadeiramente e lindamente o meu respeito ! :3
    Beijos sua lindona ! >.<

  3. Adorei o que vc disse !
    Também sou extremamente contra esse preconceito. Qual é o problema dos meninos fazerem ballet? Esse preconceito tem que acabar logo !!!!! Conheço um menino que era maluco por ballet classioc( ele devia ter uns 10 anos), a mãe ate que apoiou mas o pai ficou brigando com ele e com a mãe. Hoje não sei o que aconteceu com o menino só sei que ele teria feito muito bem em não ligar para nada que o pai dissesse sobre essa questão da sexualidade e seguido a carreira que ele queria !!!!!!! Meus parabéns pelo post . Tomara que ele seja relido varias vezes por certas pessoas preconceituosas !
    Meus parabéns

  4. Não me foi estranho esta afirmação.Várias vezes meninas chegavam na sala perguntando:”meninos fazem ballet”? Eu fazia questão de levar revistas aonde existiam vários bailarinos,ilustrações,também infantis aonde meninos apareciam nas aulas de ballet. Mas esta é uma temática ainda muito discutida,quando tratamos de costumes do Brasil;aonde realmente o futebal é a preferência nacional,e,praticado por homens.Já escutei também verdadeiras aberrações em relação a futebal feminino;enquanto nos E.U.A.o futebol feminino é muito mais apreciado que o masculino.Penso que só o tempo pode lutar contra esta realidade.

  5. Muito bem, Cássia!
    Eu não cheguei a pensar seriamente sobre o assunto, mas, lendo este post, lembrei-me de que ainda hoje meu primo e meu irmão me disseram que entrariam na academia de dança onde faço balé se os meninos que já fazem parte não fossem homossexuais. Talvez eles tenham dito da boca pra fora (sei que eles não levem muita coisa a sério), mas olhando por outro lado, talvez seja isso, esse preconceito em torno do balé clássico, o que impeça muitos garotos de descobrirem sua verdadeira vocação.

  6. Realmente é muito triste ter que concordar que a nossa sociedade e machista. Nós sofremos muito para achar um bailarino, e quando um aparece na nossa aula o coitado é super disputado.. rsrsrs dança com todo mundo, pq só tem ele. E é tão bom ver os meninos dançando, se divertindo…. tenho vários amigos que ao verem a gente dançar, e nos ajudarem em algumas apresentações estão se deixando levar pela dança, mas nós não podemos dizer ainda que eles dançam ballet, pq senão eles param….. mas acredito e tenho fé que isso um dia irá mudar, e teremos tantos bailarinos quanto os países europeus…..

    quanto ao post vc arrasa Cássia!!! Parabéns!!

  7. Uma vez meu namorado foi assistir a minha aula de ballet (ASSISTIR!), e a professora me disse que ele não poderia ir mais porque o espaço é apenas para mulheres. E eu fiquei me perguntando: Se um garoto chegasse aqui querendo fazer aulas de ballet, ela mandaria ele ir procurar outra escola de dança? Hoje lendo seu post, encontrei uma resposta para a minha pergunta. Sim, ela faria isso.

  8. Eu acho que o fato de as pessoas pensarem que ballet é “coisa de menina” faz ele perder sua seriedade e comprometimento frente à elas mesmas. Conheço muitas mulheres que colocam as filhas no ballet porque é fofo. E a menina desiste 2 semanas depois. Ballet não é uma brincadeira, é arte. E em todos os cénários há artistas masculinos e femininos.
    Também acho que essa “coisa de menina” é bem mais amplo, porque como sabemos bem, mulheres iniciantes são vistas como sonhadoras, e pela própria família.Mas não entrarei no assunto,porque não pertence à este post.
    Mas o problema inicial esta aí. Quando pararem de relacionar o ballet como mera atividade infantil pra preencher o tempo, as coisas começarão a mudar.

  9. Parabéns Cássia! Adorei o post!
    Você falou tudo e da maneira mais correta possível! Sua Didática foi a melhor!
    Ainda sofro preconceito, mas, para mim, o importante é a minha dança! Se não fosse o ballet eu não teria conhecido minha partner, que, aliás, é minha namorada e maior incentivadora! Sem falar que sou apaixonado por essa arte e descobrir, também, que nascir para ser bailarino.
    E como você disse, a mudança tem que começar na propria escola de ballet. Concordo e muito.
    É por isso que sou fã do blog e claro de você!
    Parabéns mais uma vez!

  10. Se não houvesse tanto preconceito na cultura latina, teríamos muito mais homens nas aulas de ballet.
    Nas escolas de dança que já passei senti muito preconceito de professoras mais antigas. Elas não estão dispostas a mudar de mentalidade, será um papel da nova geração.
    Dissociar isso da sexualidade deveria ser algo primário, fico incrédulo como alguns ainda querem relacionar. É óbvio que tem mais “gays” praticando pois são os únicos que tiveram coragem de enfrentar a família.
    Usei aspas para falar de gays pois discutir sexualidade é algo mais complexo e mereceria um walltext. Se formos abordar Foucault, tomos somos apenas sexuais, nossas relações é que podem ser homo ou hetero.

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