O ballet clássico possui estágios. No começo, parecemos aquela moça apaixonada que suspira em cada canto, pois acaba de encontrar o seu grande amor. “Será para sempre”, ela diz.
Até que surgem as dificuldades. Os problemas. Os percalços. Ele não é como eu imaginava. Nunca é. Nem deveria ser. A realidade tem outras cores, que vão além das lentes cor-de-rosa.
Nesse momento, nos deparamos com aquela que será nossa amiga inseparável: a solidão. Não importa quantas pessoas estejam presentes. Sempre estamos sós quando dançamos. Quando repetimos o mesmo movimento diversas vezes. No momento em que respiramos fundo e reconhecemos: “Só depende de mim.”
Já me desliguei diversas vezes em plena aula. Deixei de ouvir uma professora falando comigo durante uma sequência de barra. Não notei uma música, repetida à exaustão durante meses, e segui em frente. Estava contando em pensamento. Éramos eu e meu corpo. Quem estava presente era a bailarina.
A solidão nos visita quando surge a dor. Quando engolimos seco para suportar o que parece exagero aos olhos alheios. Indiretamente, nos dizem: “Você está sofrendo porque quis assim.” Quis, sim.
O pior momento? Talvez seja o da frustração. Tantas tentativas, tantas vezes, tanto tempo. O corpo não corresponde. A mente não responde. O coração desmancha por dentro. E por mais que nossos pares, companheiros de dança, nos reconheçam neste momento, de nada adianta. Estamos sozinhos.
O choro solitário. Todos nós sabemos o que ele significa, pelo menos uma vez. Doído, sincero e cheio de amor.
O ballet clássico é aquele namorado que diz, todo dia, que não nos ama, que conquistá-lo é difícil, que nunca teremos o que desejamos, que sentiremos dor pelo resto da vida. Mas um não solta o outro jamais.
E continuamos. Porque será para sempre. Porque só o amor explica tamanho sofrimento sem que surja o menor desejo de desistir.
Mentira, o desejo surge. Mas não desistimos. Porque há um palco iluminado a nossa espera.
*
Eu escrevi o texto ao som da música Clair de Lune, de Debussy. Quem quiser ouvir, aqui.
A vida me parece assim….mas o importante é viver e realizar aquilo que desejamos, assim com certeza as dificuldades, dores e pesares terão valido a pena.
Parabéns pelo blog. Deveria ser blog de uma bailarina madura. Digo isso pq geralmente as bailarinas iniciam mto cedo…e talvez cedo desistam por não darem conta dessas dores e fracassos que o ballet traz com ele.
Oi, Cássia!
Descobri seu blog recentemente, assim como descobri que estava apaixonada pelo ballet não tem muito tempo. Acabei de entrar numa escola de balé, pouco antes de fazer 21 anos (ontem). e sinto-me de um jeito muito parecido com oque você descreveu, com uma diferença: O Ballet pra mim não é exatamente aquele namorado que diz o tempo todo que não me ama. Ele deu um salto de repente na minha vida e denunciou-me a mim mesma sobre o que eu estava sentindo. Entretanto, quando eu não consigo acompanhá-lo com os passos certos, ele me abandona ainda que me olhando com olhos sedutores e tira outra bailarina melhor para dançar. E eu fico lá no banco olhando… Bandido!
Não há nada melhor que dançar. Que retratar na dança o desejo da alma. De poder dizer com gestos, o que se passa no coração!
Lindo, traduz de forma clara e objetiva o nosso amor impossível pelo ballet, e que só as bailarinas, de certa forma, entendam.
“… sem que surja o menor desejo de desistir.”
Quando eu lí essa parte, eu pensei: não… surge sim!
Aí me surpreendí com a sua retratação:
“Mentira, o desejo surge.”
kkkkkkkkkkkkkk
Realmente lindo seu texto!
Só mesmo nós, bailarinas, pra entendermos esse caso de amor, muitas vezes não correspondido.
Sua fã,
Vanêssa Aulette
Genial, Cássia!
dor, frustração e solidão?
Vamos transformar tudo isso em um grande e divino balé! A vida pode ser sim, uma grande e divino balé.
Mas que só depende da gente, isso é uma verdade ABSOLUTA!
mil beijos e obrigada por tanta compreensão em forma de arte e poesia!
Lindo, Cássia!
um beijo
Nossa… uma grande verdade, triste e bonita ao mesmo tempo… Mas sabe o mais interessante? Li até o final, me identifiquei mas não cheguei a me emocionar. Qdo li que vc escreveu ouvindo Clair de Lune me deu um nó na garganta, pois é uma das músicas que eu acho mais lindas e mais doídas ao mesmo tempo, e nesse momento veio o sentimento da solidão e junto com ele o nó na garganta… Acho que antes eu tinha entendido o que vc quis dizer… mas depois eu senti o que vc quis dizer… Dói mesmo.
Um grande beijo.
Foi justamente por pensar assim muitas vezes que te fiz a pergunta lá no outro post e vc ainda não me respondeu! Depois de tantos alongamentos, tantas horas na barra, não chega nunca o tal grand écart. Uma semana as pirouettes estão fantásticas; na seguinte, um desastre. Grand jetté, então? Sonho meu. Mas ouvi hoje da minha professora que para quem largou o balé há 20 anos com apenas 6 anos eu progredi muito em 5 meses de aula. Até minha colega disse que sou muito “en dehors”. É por aí que vamos persistindo. Beijo, Cássia, parabéns pelo blog e me responda!
Sam, pode ir lá no outro post que sua dúvida foi respondida. 😉
Lindo! (estou sem palavras…)
Nossa, profundo
Mas ainda sou a bailarina apaixonada rsrs
E quando chegar o momento da solidão, assim como na vida sem ser só a dança, nos prendemos aos bons momentos e criamos a esperança de que tudo vale a pena.
http://balletaosvinte.blogspot.com/
Que lindo!!! Você é a inspiração em pessoa!!! Consegue descrever em detalhes tudo que sentimos!!!
Fora que essa música é muito especial pra mim, tocou no meu casamento, no momento da troca de alianças…..fiquei muito emocionada!
Obrigada por seus textos, são verdadeiras aulas!
Beijos
Acho que é verdade. Nunca fiz ballet,mas acredito que as bailarinas sentem-se sozinhas porque as pessoas ao seu redor não conseguem,não podem ajudá-la. O que ela tanto deseja só pode conseguir sozinha.
A arte faz parte de nós, mas pessoas como tu Cássia…faz de uma forma romântica, agente enchergar a realidade e concordar… porque estamos sentindo a mesma coisa, e não sabemos como expressar, a não ser com o rosto franzino de dor!
Cássia, estou chorando sem parar… Obrigada por esse post maravilhoso! Bju!!!!! Taty
Lindo lindo. Adorei.
Essa solidão nos obriga a conectarmos com sentimentos profundos que vão sendo desbloqueados, algo meio psicoterápico.