Quem já assistiu a algum reality show, deve ter percebido que os participantes esquecem das câmeras em alguns momentos. Eles acham que ninguém está vendo absolutamente nada, e se comportam como se estivessem em casa. A questão é: não estão.
Tenho a mesma sensação com a internet. Nem falo das redes sociais, porque daí o problema é mais embaixo. Falo dos blogs. Neste caso, os específicos de ballet clássico.
“Cássia, de onde você tirou isso? Eu mantenho um blog para ser lido, amo meus leitores.” Lindo isso. Mas você analisa o impacto do que escreve sobre as outras pessoas? Pensa que há quem realmente leve a sério o que você diz? E que uma bobagem escrita por você pode ser considerada uma verdade e, não só, ser colocada em prática?
Ah, nunca pensou nisso, não é? Está na hora de começar a pensar.
Eu não faço parte daquela turma que acha um absurdo o aumento do número de blogs, que há quem não deveria escrever e outras análises. Democracia é isso, acesso a todos. Só penso da seguinte maneira: Quer fazer? Faça direito.
Ballet clássico é arte para ser estudada a vida inteira. Quanto mais a gente se aprofunda, mais percebe que não sabe nada. Sendo assim, qual o direito que temos de jorrar informações que nem sempre tem um respaldo teórico ou técnico?
De diários de bailarina, os blogs se transformaram em redutos de dicas técnicas. É preciso muito cuidado. Há coisas bacanas e outras descabidas. Nem sempre quem lê sabe distinguir uma coisa da outra. Aí, aquela menina que sempre sonhou em ser bailarina, resolve fazer em casa aquilo que leu. Ganha uma lesão. Sente dor. Até que finalmente ela começa as suas aulas de ballet e a professora terá um trabalho imenso para desconstruir tudo o que foi realizado de maneira errada e sem orientação.
Sei que sentimos um desejo imenso de mostrar ao mundo que somos bailarinas além das sapatilhas. Mas não somos professores. Não estudamos (ainda) para isso. E não importa que a gente reproduza o que foi aprendido em aula, porque nós tivemos o auxílio do professor, quem lê, não. Além disso, se até um professor é passível de erro, nós não somos?
Temos de levar conosco uma palavra importantíssima: responsabilidade.
Eu já mantive uma página no blog só para tirar dúvidas, lembram? Ela estava aqui até hoje. Apaguei. Percebi a minha prepotência. Sempre tive o maior cuidado para responder, mesmo assim, eu devo ter falado bobagem em algum momento. Só de pensar que alguém, em algum lugar, levou isso consigo como informação correta me dá dor de cabeça.
Hoje, a principal função do Dos passos da bailarina é incitar a pesquisa. Quando alguém lê algum post, busca saber mais sobre o assunto e, dessa forma, vai construindo sua própria bagagem, sinto que estou no caminho certo. Depois, o meu intuito é apaziguar a mente, acalmar o coração e mostrar um pouco de beleza. Porque essa história de “ser pensante” o tempo todo não cola para mim, viu?!
Às donas de blog, cada qual cuida do seu jardim. Há bons blogs e outros nem tanto. Não acho bacana muita coisa que leio e vejo por aí, mas se não gosto que me digam o que fazer, sigo o mesmo para os outros. Mas não é o meu nome que está em jogo, é o de vocês.
Aos leitores, como fazer para ler tanta coisa e, mesmo assim, perceber o que pode ou não ser levado em consideração? É simples.
1. Duvide
Princípio básico para qualquer pessoa que deseje construir o seu próprio repertório de conhecimento. Uma fonte é apenas isso, uma fonte. Sim, eu incluo o meu blog nesta categoria. Duvide SEMPRE do que eu digo e pesquise por vocês.
2. Preste atenção no autor
Uma coisa é a Agrippina Vaganova dizer, outra coisa é a Fulana de Tal dizer. Quem é a pessoa? Ela estudou para isso? Qual a sua formação? E a sua experiência? Ela é considerada uma especialista no assunto? O que ela fundamentou é utilizado de maneira recorrente no ballet clássico? Isso faz toda a diferença.
3. Fontes
Internet é fonte de informação, livros são fontes de conhecimento. É preciso aprender a distinguir as duas. Quem afirma algo simplesmente porque “encontrou no Google” não merece consideração. E estou falando sério.
4. Contexto
Só porque em 1800 os maestros do ballet clássico achavam que o corpo de um bailarino tinha de ser retorcido completamente, não significa que isso deva ocorrer em 2011. A ciência evoluiu, o estudo do corpo evoluiu e isso deve ser utilizado a nosso favor. Ainda bem, há professores que começaram a seguir essa linha, mas isso será um assunto para outro post. Ah, você é purista e acha que o passado deve ser mantido? Na próxima vez em que for ao dentista, peça para ele fazer canal em você sem anestesia. Sabe como é, antigamente era assim…
Só quero deixar claro uma coisa: o post não surgiu por nada específico que eu li por aí, mas pelo que tenho visto de uns tempos para cá. Não é pessoal. Tenho de deixar claro porque culturalmente nós misturamos as coisas e achamos que tudo é um atentado contra a pessoa. Não é. Não é necessário ninguém se ofender ou vir se justificar. A minha preocupação é com o ballet clássico e com a nossa formação. E só.
disse tudo!!!!
antes eu era umas dessa pessoas que lia e tentava fazer em casa , agora que comecei fazer aulas de Ballet Clássico vejo que não é assim.
bjs e até
É mais que isso Cássia!!! Claro que as palavras de incentivo contam e muito! Mas eu quis dizer que a descoberta de novas possibilidades é real. Através de exemplos vivos e dos resultados das nossas leituras e das nossas pesquisas, a gente descobre que pode fazer mais do que a gente acredita. Claro que o sonho de se tornar uma Etoile da Opera de Paris ficará para a próxima encarnação, mas eu acho que não seja um “tudo ou nada”. Se a gente tivesse tido essas conversas há 20 atrás, acho que eu teria sido profissional. Eu estava assistindo o documentário Ballerina, e logo no início eles mostram um processo de seleção para se ingressar na Academia Vaganova (uma loucura!!!). Há tantos fatores que podem ter um impacto na vida de um bailarino, para que este tenha sucesso na sau profissão. A meu ver, o talento as vezes não é suficiente. Há uma dose de sorte (estar no lugar certo, na hora certa e saber aproveitar as oportunidades), determinação, dedicação, ter os atributos físicos necessários (poder contar com a genética a seu favor), etc. Eu comecei com o ballet através de um conselho de uma amiga que disse que era bom para a postura. Há poucos dias meu professor confessou que eu tinha melhorado muito, e que no início eu era a “imagem do desastre”. Há um tempo atrás eu escrevi aqui no blog que eu morria de vergonha de fazer diagonal, pois o povo ficava olhando para mim. E até hoje o povo olha pra mim e diz: nossa, você faz ballet (aquele seu outro post)? E eu digo: faço, mas eu sou desastrada (eu tenho que parar com isso). Como eu comecei no ballet tarde, eu ficava pensando: quanto tempo me resta? Como se eu estivesse fazendo uma contagem regressiva e estivesse prestes a me desmanchar em pedaços. Então através de muita leitura, reflexão e discussão estou começando a mudar a minha perspectiva. Agora começo a pensar: quais são as minhas reais possibilidades? Há muitos movimentos que eu nunca vou conseguir fazer. Mas outros eu já consigo visualizar e sei que eu vou. Por enquanto eu já posso ver: a cabeça já faz, mas o corpo não acompanha ainda (já é um começo). Outro dia o meu professor estava dizendo: quando a gente começa a fazer ballet (especialmente na idade adulta), primeiro vem a sensação de inadequação que nunca mais vai te abandonar, mas esta diminui com o tempo (eu vi uma entrevista da Marianela Nuñez dizendo que até hoje ela fica apreensiva quando tem que fazer os fouettés de Odile, e olha que ela é realmente a rainha dos cisnes). A gente nunca vai ficar satisfeito consigo mesmo (talvez o segredo seja este: pensar mais no processo do que nos fins, tal como até os profissionais fazem). Mas após essa agonia inicial, a gente passa a ter prazer no que faz (talvez nem todo mundo seja assim). E é muito bacana quando um professor tem a sensibilidade para perceber este processo. Muitas pessoas dizem que não começaram a fazer ballet antes, primeiro porque achavam que não podiam começar tarde. Depois, a gente não sabia que as aulas para adultos existiam. Mas muita gente que começou agora diz que ser bailarina era uma sonho de criança que nunca se realizou. E o mais incrível é que as pessoas não têm coragem de expressar este desejo abertamente. É impressionante como este sentimento ainda persiste. Já sei: você poderia fazer uma enquete, para saber a opinião das pessoas e como elas se sentem em relação ao ballet, como adultas (embora muitas já disseram aqui no blog). Acho que muitos resultados iriam coincidir. Você disse sabiamente que o maior inimigo do trabalho de pontas é o medo e que o maior inimigo de uma bailarina é a soberba. Mas também um dos maiores inimigos de uma bailarina adulta talvez seja a falta de consciência corporal e de si própria (talvez eu esteja dizendo um monte de bobagens, mas é como eu me sinto). Só por isso, já valeu. Outro dia cheguei na escola para a minha aula. As pessoas já estavam tomando seus lugares na barra. Outras estavam no chão fazendo aquecimento. Do nada esta bailarina apareceu e ficou fazendo uns movimentos no meio da sala. E eu só fiquei olhando!!! Linda ela!! Tanto fisicamente, quando na expressão de seus movimentos. Ela ficou treinando uma sequência de passos e ficou treinando um rond de jambe trezentas vezes. Para mim ela estava perfeita, mas logicamente, para ela não estava. Ela fechou os olhos e se abstraiu do mundo exterior (tinha umas 45 pessoas na sala). E ela tentava, tentava… Então eu pensei: isso deve fazer parte do processo experimental dela. Ela deve estar tentando atingir algo novo (como se faz em qualquer processo criativo). Eu pensei em perguntar o que ela estava fazendo, mas achei mais importante não interromper, e ao invés admirar. Então eu acho que é isso!! Acho que a gente deve tentar se despir dos nosso preconceitos iniciais e mergulhar no nosso interior e acreditar. Acho que só assim a gente poderá evoluir. As pessoas de uma maneira geral são céticas em relação ao ballet adulto, mas se um(a) professor(a) de verdade que já dançou profissionalmente acredita, por que não a gente? Kathy Mata diz naquele documentário do ballet adulto que o que ela faz é muito importante e muito sério. Talvez o mais difícil seja entender a dimensão de coisas todas. Beijos e obrigada sempre, juju
Realmente, isso precisa ser levado em consideração. Formar bases a partir de informações erradas pode ser perigoso.
Muito bom! De qualquer forma, comigo você tem mais um ponto por isso!
Duvidar: eu duvido sempre! toda aula eu chego com alguma pergunta, e não me envergonho, oras! todo mundo lá sabe que eu vou perguntar mesmo!
Nunca aceito cem por cento o que eu li na internet, pergunto antes de fazer.
não dá pra confiar em tudo e todos, né?
Beijocas, ótimo post!
Não sei o que se passou. Mas espero que este blog continue sendo um espaço democrático a todos. O meu ponto de partida é sempre aqui. Daí acho alguma coisa e trago de volta. Gostei do techo: “Hoje, a principal função do Dos passos da bailarina é incitar a pesquisa. Quando alguém lê algum post, busca saber mais sobre o assunto e, dessa forma, vai construindo sua própria bagagem, sinto que e
stou no caminho certo.” Pois é justamente o que eu faço, e é o que me motiva passar aqui todos os dias. Não é apenas a construção da bagagem, mas também a decoberta de novas possibilidades através das palavras de incentivo. Portanto eu me sinto a vontade em perguntar, dividir o que eu sei e o que eu aprendo. Com certeza, este blog é um complemento fundamental para as minhas aulas. Parabéns Cássia!!! Continue escrevendo sempre. Beijos imensos.
Ju, não aconteceu nada, hehehe. Nem sempre estes posts surgem de algo específico, mas porque tenho reparado em alguma coisa que tem acontecido frequentemente. Por aqui, está tudo bem. O blog sempre será um espaço democrático, só tenho o cuidado de não publicar nada que alguém possa fazer sem orientação e se prejudicar. E eu tinha esquecido disso, das palavras de incentivo! Eu sou praticamente uma líder de torcida, né? 😛
Grande beijo.
\o/ Obrigada sempre por fazer sua escrita real transformar pensamentos em palavras sábias que podem ser lidas e pensadas por todos nós! Obrigada querida!!! :*
Concordo com você!
Um tempinho atras eu pensei em fazer um blog dedicado somente para a dança…explicando qual a melhor forma de realizar aquele exercicio e tal… mas mudei de ideia porque veio a mesma coisa que você citou no post, na minha cabeça!
Temos que tomar muito cuidado com que postamos…o autor do post pode entender o assunto mas talvés ele não saiba transmitir a mensagem como deve ser transmitida!
bjussssssssssssss amei o post
vailentne.blogspot.com
Falou muito bem, Cássia.
Bjss…